FRITZ LANG E A PERGUNTA MAIS EMBLEMÁTICA DA HISTÓRIA: SE VOCÊ TIVESSE A CHANCE, VOCÊ MATARIA HITLER ANTES DA GUERRA?
Alemanha, 29 de outubro de 1939. Em uma floresta na Baviera, a câmera passeia calmamente pela paisagem até reconhecer pegadas de bota no solo. Em poucos instantes, conhecemos o dono dessas pegadas, deitado com seu rifle de alta-precisão com sua caça na mira. Imóvel, permanece tranqüilo até que o campo de visão esteja limpo. Com tudo a seu favor, o caçador vai pressionando o gatilho lentamente até que ouve-se apenas um estalo. A arma estava descarregada. Após uma saudação esportiva, o caçador se prepara para ir embora. Mas algo ainda não o satisfazia. O disparo deveria ser real. A arma deveria estar carregada, ou a emoção não seria a mesma. Agora, com a arma carregada, ele repete o ritual respirando fundo e mantendo-se estático até enquadrar novamente sua presa na mira. Porém, antes que pudesse efetuar o segundo disparo, ele é interceptado por um agente da Gestapo. Seu nome: Alan Thorndike. Sua presa: Adolf Hitler.
É assim, com esta cena quase épica, que Fritz Lang nos apresenta O Homem Que Quis Matar Hitler (Man Hunt, 1941), filme de argumento e beleza plástica impecáveis, mas de execução irregular de modo que o impede de ser um clássico ao mesmo nível de outras tantas obras suas como Os Mil Olhos Do Dr. Mabuse, Os Nibelungos, M - O Vampiro de Dusseldorf, entre outros. Mas, antes de falar dos problemas do filme, falemos de suas qualidades - pois não são poucas. Pra começar, é inegável que a cena inicial descrita no parágrafo acima exala tensão só de tentar montá-la na memória. praticamente desacompanhada de trilha sonora, parece que o tempo e o mundo param quando o Capitão Thorndike (Walter Pidgeon) puxa pela primeira vez o gatilho. Inevitavelmente, o primeiro pensamento que passa pela nossa cabeça é: e se a arma de Thorndike estivesse carregada no momento do primeiro disparo? Se ele soubesse o que estava por vir, teria hesitado? Quem de nós não daria tudo para estar naquela condição? Tohrndike não parece levar nada disso em consideração. Ele insiste que foi tudo pela emoção da caça, para provar a si mesmo que conseguiria. E mesmo com esse argumento rico e recheado de possibilidades, o roteiro o enriquece mais ainda quando o Major Quive-Smith (George Sanders), da S.S., condiciona a liberdade e a vida do protagonista à assinatura de uma confissão de que ele havia cometido o atentado a vida de Hitler à mando do governo britânico. Com a recusa de Throndike e após este escapar da tentativa de assassinato por parte de Quive-Smith, inicia-se uma caçada pelas ruas de Southampton.
Como pode-se notar, argumentos não faltam em O Homem Que Quis Matar Hitler. mas a beleza da composição das cenas é igualmente impressionante. O cuidado com o enquadramento e principalmente no posicionamento do personagem em primeiro plano. A tomada do misterioso Sr. Jones (John Carradine) recostado em um chafariz, alimentando os pombos da praça, com a câmera inclinada e focando de cima para baixo é uma pintura. Assim como a cena em que Quive-Smith interroga Thorndike, com o alemão em primeiro plano e o inglês visto apenas pela sombra, que também é de uma beleza espetacular. A fotografia em preto e branco favorece demais o estilo de Lang montar suas cenas.
Ao final do filme as questões levantadas no início, como o papel de cada homem e nação daquela época, retornam ainda mais fortes agora que uma tragédia atingira o protagonista. Se fosse um filme mais recente, O Homem Que Quis Matar Hitler com certeza geraria uma seqüência, dado seu final onde Thorndike desvia-se do restante dos soldados britânicos para iniciar uma caçada pessoal ao maior algoz da humanidade. Porém, até chegar a este emblemático momento, o filme sofre um pouco com a irregularidade de seu segundo ato onde o protagonista passa a ser perseguido em solo inglês. Embora renda bons e belíssimos momentos (como a perseguição de Jones à Thorndike pelos túneis do metrô, num breu total desprovido de qualquer trilha sonora ou fala), esta passagem se alonga demais ao mostrar o início do romance entre o protagonista e Jerry Stokes (Joan Bennett), a bela, inocente e impetuosa moça que o socorre. Talvez se uns 20 minutos dessa passagem fossem dedicados a mais perseguições ou desenvolvimento da mudança de comportamento do personagem principal o filme seria ainda mais grandioso.
Quando Thorndike afirma que sua caçada é apenas esportiva, pelo prazer de sub-julgar sua presa e não pelo prazer de matá-la (o que ele julga como crueldade), levanta-se o seguinte questionamento: o que seria mais cruel: abater seu caça ou torturá-la em cerco para capturá-la, deixando sofrer com a eminência da morte e depois libertá-la para que viva o restante de sua vida sabendo que existe alguém por aí capaz de sub-julgá-la e tirar sua vida a qualquer momento? Thornadike parece aprender isso quando se encontra cercado em sua própria terra natal, não podendo desfrutar de um simples passeio sem depara-se com um de seus perseguidores. Um trabalho muito bom de amadurecimento do personagem.
O Homem Que Quis Matar Hitler pode não estar no mesmo nível de outras obras grandiosas desse monstro que foi Fritz Lang, mas é um filme que mescla muito bem argumentos inteligentes e interessantes, com um apuro técnico invejável, uma boa dose de suspense, um toque de romance e boas investidas no humor e isso é coisa rara.
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