“SE EU MORRER, DIGAM QUE EU FALEI ALGUMA COISA BONITA.”
“O que eu não daria para ser uma mosquinha naquela hora?”. Quem nunca ouviu esta frase? Frase esta que se refere a um dos mais perversos e perigosos instintos do ser humano: a curiosidade. O ser humano nutre uma necessidade quase básica e incontrolável de saber tudo o que acontece com as pessoas a seu redor. Principalmente em sua intimidade. Não a toa a moda dos “reality shows” tomou conta do mundo inteiro, principalmente aqui no Brasil, onde a maior audiência da TV no país é um lixo de proporções catastróficas e lastimáveis como o Big Brother. A tal “mosquinha” da frase citada no início do parágrafo significa estar invisível para aqueles que se gostaria de observar. Eis que uma questão surge: se você pudesse tornar-se invisível, se limitaria apenas a espionar o que fomenta sua curiosidade ou influenciaria as ações ao seu redor? Esse é o pano de fundo de O Homem Sem Sombra (The Hollowman, 2000), último bom filme de Paul Verhoeven.
Na história, um grupo de cientistas descobre a fórmula da invisibilidade, visando o avanço da medicina e do estudo do corpo humano. Sebastian Caine (Kavin Bacon) é o cientista chefe deste projeto e decide usar a fórmula em si mesmo, para descobrir os efeitos dos testes em humanos. Porém, os efeitos colaterais começam a afetar a personalidade de Sebastian, que se torna agressivo e paranóico.
Claramente inspirado na obra-prima literária clássica do mestre H.G. Wells, O Homem Invisível (1897), o filme de Verhoeven divide a opinião de fãs e críticos. Há quem considere a ovelha negra na filmografia do diretor holandês que tem em seu currículo filmes do porte de Louca Paixão (1973), Robocop (1987), O Vingador do Futuro (1990), Instinto Selvagem (1992) e Tropas Estelares (1997). Mas também existem aqueles que, assim como eu, enxergam as dificuldades de um cineasta como Verhoeven conseguir manter sua essência crua com o passar dos anos e a exigência cada vez maior por produtos comerciais e amenos. Não que O Homem Sem Sombra não possua seus momentos tensos, sujos e violentos. Longe disso. Irritado com os latidos de um cão, Sebastian o mata com as próprias mãos. Além de tirar a calcinha da Dra. Linda McKay (Elizabeth Shue) e chupar os peitos da Dra. Sarah Kennedy (Kim Dickens) enquanto ela dorme e por aí vai. Mas nada comparado ao banho de sangue de Robocop e O Vingador Do Futuro ou a famosa cruzada de pernas de Sharon Stone em Instinto Selvagem.
O filme ainda peca na condição de Sebastian. Acredito que a construção do personagem ia muito bem até certo ponto, dando a entender que o protagonista possuía uma índole duvidosa. Porém, mais de uma vez o comportamento de Sebastian é justificado por ele estar sofrendo os efeitos colaterais da droga experimental, já que haviam muitos princípios em jogo, como moral, índole, ética, poder, conduta – e violação da mesma. Creio que isto diminui o potencial do filme e do roteiro. Como manter a sanidade e controlar seus impulsos diante desta situação? Isto já seria difícil por si só.
Tecnicamente, o filme também é controverso. Embora o visual (eu sei, falar do visual de um homem invisível é ridículo) de Sebastian todo enfaixado seja bem legal e bizarro, os efeitos especiais (indicados ao Oscar) parecem artificiais demais em algumas cenas, como a de Sebastian envolto no vapor. Mas as cenas de transformação (tornar-se invisível), tanto de Sebastian quanto da gorila, são interessantíssimas e bem originais, assim como a de Sebastian assustando duas crianças no carro.
Em certos momentos, o filme transita indecididamente entre os gêneros de ficção, thriller, terror e policial. Isso não chega a prejudicar o andamento do filme, mas deixa uma brecha jamais preenchida ao final do filme, por ser difícil de enquadrá-lo. Tudo aquilo que consagrou o cinema de Verhoeven está presente aqui. Sexo, violência, doenças sociais, comportamento, etc. Mas a conclusão (seus últimos 40 min) são mal trabalhados e recorrem aos clichês mais recorrentes dentro do(s) gênero(s). Um pecado a obra não ter explorado a infinidade de situações que poderiam ser criadas dentro deste conceito, restringindo as ações do protagonista a uns poucos cenários.
O elenco apóia-se basicamente em três atores. Elisabeth Shue (Despedida em Las Vegas; Karatê Kid - A Hora da Verdade) e Josh Brolin (Os Goonies; Onde Os Fracos Não Têm Vez) como os dois amigos de Sebastian que tentam controlá-lo e na ótima atuação de Kevin Bacon (Sleepers – Vingança Adormecida; O Rio Selvagem), que além de muito seguro, dá um show de carisma em tela, mesmo invisível!!!!
O Homem Sem Sombra está longe das melhores obras de Paul Verhoeven, mas tem seus créditos e melhora a cada revisitada. E como desafio eu proponho: assista ao filme, coloque-se no lugar de Sebastian e tente julgá-lo. Aí você vai compreender melhor esta fita.
Realmente o filme é bom. E só. Como vc mesmo disse caro Cristian, a meia hora final é clichê demais, não condiz com a ótima primeira parte. De toda forma, belo texto...
Valeu Lucas! Sendo coisa de Verhoeven, a gente sempre espera mais..
Cara, saber que esse filme é do Verhoeven faz todo sentido. Havia assistido a muito tempo e não fazia ideia de que o filme era dele.
Quando assisti pela primeira vez, Caio, também não sabia.