“Eu estou ficando sem heróis! Pessoas como você não existem mais..."
De nada vale para um(a) jornalista ter posse de fatos se eles não forem organizados em prol do conhecimento público. Não há maior frustração para um “ser da mídia” ter seu trabalho comparado à pura e vulgar especulação. É claro que me refiro a um trabalho jornalístico sério, e é esse comprometimento em busca da verdade – e reconhecimento – que se torna o diferencial na comunicação, seja jornalística ou publicitária. Ao abrir o jornal, é quase inevitável que todo cinéfilo não corra para checar as páginas culturais, seja no papel ou na tela de um tablet, também à procura de um material relevante. Em uma resenha como essa a motivação é a mesma, ler o que ainda não foi “especulado” sobre o filme de Michael Mann, mais de dez anos depois. Nós, pessoas, já nos cansamos de ouvir elogios para Cidadão Kane, de reler críticas com o mesmo conteúdo para Crepúsculo, sobre os mesmos problemas sensoriais que para o artista detentor da película muitas vezes não existem – ou não consegue/quer enxergar. Mas o ofício crítico requer isso mesmo: Requentar dados de uma perspectiva diferente (é por isso que seguindo essa lógica, Quentin Tarantino seria uma nebulosa nesse encargo).
Em Embriaguez do Sucesso, por exemplo, nós acompanhamos dois homens de negócios no coliseu da fama, um lutando para retornar ao topo dos tabloides, enquanto o outro luta para não cair no nível do primeiro, uma roleta-russa filmada com precisão. Não é a toa, e não só por isso, que a estrutura básica de O informante é mais sólida que concreto, elegante thriller político que é. A produção política dos filmes Americanos detém de forte androginia a fins ocultos desde sempre, o cinema como um todo pode se incluir nesse fato comprovado por suas próprias premiações compatíveis a tanto. Aqui, Michael Mann capta o cheiro fétido e o sabor azedo da história através de imagens, como se nossos olhos degustassem e sentissem a essência muito mais que pictórica da película. Em parte por conta da classe provada na condução do diretor, afinal a virilidade do conjunto redondo da obra é magistral. É inevitável: O Informante é uma aula fílmica contemporânea de peso! Essa é uma informação que merece ser requentada – comida chinesa nunca é demais.
Duas famílias sendo quebradas, uma de fora para dentro, a outra de dentro pra fora. Há vácuos entre as rachaduras, estes igualmente grandes, e o filme torna impossível remendos graças à seu tema: A indústria de Tabaco e uma grande polêmica, é claro, agora conspiratória. A nicotina presente em cada ação moral de seus dois protagonistas cresce em um tumor não-expansivo apenas para a câmera, sedenta para captar até os enfisemas nos pulmões que movem a história, também conhecidos pelos nomes das personagens de Al Pacino e Russel Crowe. O primeiro, visceral pela sua última vez em muito tempo na pele de um homem complexo, e o segundo pulmão, Crowe (o homem de família comum exposto em uma situação colossal), segundo contudo junto de Pacino pois sua atuação não deve em nada para o primeiro órgão – ironicamente. Ambos criam com doses cavalares de cinismo e nervos à beira de um colapso um embate de interesses sociais, e é justamente dai que vem o fôlego de O informante: Mann, exímio cineasta para filmar tiroteios, nos bombardeia de closes, diálogos acusatórios, uma pechincha de valores éticos em forma de expressões faciais embrutecidas pelo poder e suas falsas promessas gloriosas – e tudo sem precisar de 3D. Dramas não precisam ser apologéticos para serem tridimensionais, tenho fé nisso.
O filme tem momentos de êxtase para orgulhar qualquer estrategista nato; entre entrevistas e vários outros conflitos verbais desde os primeiros dez minutos encaixados em uma montagem incansável (mesmo para um thriller o fluxo não vacila, exceto no terceiro ato, quando até os dois pulmões já comentados não suportam mais suas situações apocalípticas em um mundo tão imbatível). Além de suas gratas felicitações como projeto cinematográfico imperdível, O informante ainda rende discussões à partir de sua carga interpretativa sobre integridade jornalística, consumo tabagista e lealdade familiar. Talvez por isso, Mann, (maduro o suficiente para vir em seguida com Colateral) não optaria por lindas imagens, mas ainda por estabelecer uma técnica quase documental a cada vinte minutos, entre repartições frias de escritório e as “guerras de mesas”, para termos certeza de aquele mundo é aqui. Mas foi veemência regencial de Mann que o levou à uma merecida indicação ao Oscar 2000 por seu trabalho. Isso deve significar alguma coisa. Ainda...
Ótimo texto, Douglas.