“Sem compaixão o homem é como uma besta. Mesmo que você seja severo consigo mesmo, seja misericordioso com os outros.” O poder da palavra é o que move O Intendente Sansho (Sanshô Dayû, 1954), de Kenji Mizoguchi. Zushiô (Yoshiaki Hanayagi) é movido pelo poder da palavra de seu pai. A história redentora de grandes homens, como Martin Luther King, Mahatma Gandhi e Nelson Mandela passa pela força da palavra. O próprio cinema se alavancou através da palavra, dos discursos e dos diálogos.
No Japão medieval, cenário tão comum a diretores como Akira Kurosawa, Kanetô Shindô e o próprio Mizoguchi, uma família é separada, com os dois filhos, Zushiô e Anju (Kyôko Kagawa) vendidos como escravos ao Intendente Sansho (Eitarô Shindô), um cruel oficial do Ministro da Justiça. Lá eles são colocados num campo de trabalhos forçados junto com outros escravos, prático comum da época. A brutalidade a qual as crianças são expostas transforma Zushiô num homem destemperado e violento, que maltrata seus semelhantes que tentam fugir.
Como em Contos da Lua Vaga (Ugetsu Monogatari, 1953) Intendente Sansho tem um denso ar de conto. A narrativa que busca a redenção de seu personagem, através do arco de Zushiô traz tons épicos a obra. Se em Contos da Lua Vaga a estrutura fantástica oportunizada a fuga dos personagens diante da realidade, em Sansho as coisas não são tão simples e precisam ser enfrentadas diretamente.
Se em momentos o roteiro edificante resvala em excesso dramáticos – o desespero é sempre acentuado –, a direção de Mizoguchi conduz o longa perfeitamente. Com diversas tomadas abertas, exponenciadas pela bela fotografia em preto e branco, a obra ganha em aspecto técnico, que beira a perfeição.
Mais uma vez, como foi comum na filmografia do diretor, o papel mais importante do longa cabe a uma mulher. Anju, ao contrário do irmão, demonstra sua força através da bondade. Quando a oportunidade aparece, não hesita em sacrificar sua liberdade pela do irmão. Tamaki (Kinuyo Tanaka) a mãe dos protagonistas também não mede esforços para tentar salvar os filhos e aguenta uma história de sofrimento infindável.
Em meio a um mundo de tanta injustiça e egoísmo retratado na obra, Mizoguchi volta aos seus temas centrais de sofrimento. Aqui, porém, o final é redentor, apesar de melancólico. Numa cena final alegórica, após um tsunami, há o restabelecimento do protagonista, que passou por diversas mazelas, infringiu tantas outras, mas que no final se recuperou e teve seus pecados lavados.
*Texto escrito originalmente para o blog Cine Alphaville.
"Se em momentos o roteiro edificante resvala em excesso dramáticos – o desespero é sempre acentuado –, a direção de Mizoguchi conduz o longa perfeitamente."
Resumiu o filme. Ótimo texto. Excelente filme. Parabéns...
Esses excessos até me incomodaram em certos momentos, mas aqui o que vale mesmo é a condução da obra para o final edificante. No fim, deve ter influenciado diversos filmes sobre escravidão que vieram depois no ocidente.
Esse filme é espetacular pena poucas pessoas saberem de sua existência e terem visto o mesmo. Cada cena é uma vida na memória.