Antes de tecer comentários a respeito dessa obra, gostaria de dizer que O Juiz não é um filme de tribunal. Apesar de algumas passagens exibirem julgamentos, a maior parte delas é centrada no drama familiar. Ainda que com toques de comédia, The Judge é harmonizado sinfonicamente pelas atuações inspiradas de Downey e Duvall. Isso sem contar no agradável ar bucólico da obra, pois ela se passa num pequeno município dos EUA. Quando Hank Palmer recebe a trágica notícia da morte de sua mãe, ele parte para a sua cidade natal e, lá, reencontra seu pai, juiz local. Advogado, Palmer tem de conciliar vida pessoal com a defesa de seu pai, acusado de matar um homem, mais precisamente de ter atropelado um. Apesar do enredo batido e claramente surrado (pai e filho num processo de reafirmação) no filão drama, a história não perece e, apesar da excessivamente longa duração do longa, a obra segue firme até o final sem furos.
A parte técnica e a fotografia são caprichadas. O mesmo pode-se dizer da trilha sonora, bem adaptada para uma dramédia, e equilibrada no ponto fundamental. Ligeiramente acima da média, O Juiz molda bem uma receita simples, a que faz emocionar o espectador sem parecer piegas. Mesmo com algumas afetações por parte de Downey na atuação, o diretor David Dobkin consegue amaciar a histeria do Homem de Ferro nas expressões com a presença do velho de guerra e muito competente nas feições, Robert Duvall. Entretanto, não pense que Duvall incorpora um Kowalski, general, temido, sua função é a de um pai amoroso, ainda que rabugento e orgulhoso, que ama seus três filhos.
Esse pilar paternal permeia muito a obra, que parece por vezes cair na obviedade. As reações em cadeia, tudo o que vai ocorrer, sem reviravoltas, já podem ser metalizadas antes mesmo dos créditos iniciais. Com esse percalço, o roteiro acaba ficando sem rotas de escape e o roteirista Bill Dubuque opta pelo piloto automático. Os clichês também não perdem espaço e consomem a tela constantemente. As histórias secundárias e paralelas na obra, como Hank encontrando sua ex-namorada, revendo os amigos de sua velha cidade e os confrontos entre filho preocupado e pai ignorante são um ponto saturado da obra, pois refletem um fato recorrente, o de emular vícios sem moderação.
Falando em moderação, isso é o que mais falta para Joseph Palmer, cuja personagem parece arraigada no álcool. Aliás, quando o filme foca nos demônios internos das personagens é que o negócio cresce. Joseph, que atuara há 42 anos como advogado numa cidade minúscula, é acusado de ter passado por cima de um homem com seu veículo. Com sua esposa morta, seu destino é lutar para que se prove o contrário, e sua pele seja livrada das grades. Porém, sua pouca entrega, devido a idade e ao tratamento de um câncer, o obriga a pedir ajuda para filhos e amigos.
Com uma vertente interiorana, a obra lembra as antigas comédias dramáticas, onde o riso é oriundo de um cotidiano tão opressivo que faz surgir um alívio cômico. Responsáveis por isso ficam as caras e bocas de Downey e sua pinta (ainda não esquecida e presente) de bilionário playboy. O outro Robert, coadjuvante, recebeu até uma indicação ao Oscar pelo seu papel como juiz (correto e honesto?). O final do filme descobre todas as máscaras do rosto do espectador, porém não insere reviravoltas, muito menos plot twists ousados.
Pra falar que houve uma saída da zona de conforto, alguns enquadramentos são bonitos e justos em suas propostas, mas nada que impressione. Pra reforçar essa linha de pensamento, o que é belo no filme são as relações e o horizonte de sentimentos derivado delas. É uma obra emotiva, jamais sentimentalóide, que revela os tombos verídicos de muitas pessoas. Passamos por problemas facilmente refletidos, como a descoberta de uma doença, um vício do qual não podemos sair facilmente, uma briga com a esposa, uma decepção no namoro, tudo o que está presente em O Juiz de uma forma muito contundente. Não é um Woody Allen da vida, nem almeja ser, mas fica ali perto, tamanha a naturalidade de algumas cenas casuais. Tem um pouquinho de cada ingrediente e, felizmente, com pouca pimenta.
Não há exageros e o interessante são as situações inusitadas. De forma muito peculiar, Dobkin dispensa apresentações e já abre o filme com Palmer recebendo uma notícia, por celular, de um falecimento. Logo, ele já pega o avião e as cenas mostram isso de uma forma redondinha, porém não enfadonha. Outra bela cena é quando Palmer abre os braços, enquanto pedala por uma rua de sua antiga cidade, e respira profundamente o ar, como se estivesse passando por uma metamorfose clínica de sua própria concepção de mundo, do que realmente é importante (trabalho ou amigos e família?).
Porém, sua personalidade pouco intempestiva, se corrompe com o desgaste de ter que ajudar o pai. Apesar do auxílio dos irmãos, Hank passa por poucas e boas, mesmo como advogado, para provar a inocência de seu pai. Enquanto isso, laços amorosos vão se delineando e um processo de redescoberta começa a ser esboçado. Hank passa a enxergar como prazerosa sua vida passada, entrando até em atrito com seus irmãos, não que isso seja bom, mas já revela a sua intimidade estreitada depois de muitos anos trabalhando como defensor de uma empresa numa outra cidade. Essa pegada realista e cotidiana da obra e o manejo da mesma sem manchas ou tropeços agudos é o trunfo. Diria que O Juiz foi o filme médio mais correto do ano de 2014.
Vale ainda destacar a presença agradável de Vera Farmiga, dona de um belo bar na cidadezinha pano de fundo do filme. Sua filha acaba se relacionando com Hank numa atração carnal bem comum, até um estereótipo, eu diria. A neta de Joseph, filha de Hank, também atua bem como uma meiga e dócil herdeira da família de homens da lei. Todas as interpretações concatenam bem o feeling da obra, cujo cerne quer dizer carpe diem, viva o dia, aproveite pois, na vida, nada dura para sempre. Eu, você, todos nós, não somos eternos. E, enquanto seres humanos, devemos lutar por quem nós mais amamos.
No final, O Juiz peca mais por acertar no lugar comum do que por ser ruim. É um belo filme, que mescla bem e de forma coerente a comédia e o drama, numa situação de sobrevivência própria e do outro. Uma legítima história de pai e filho e seu legado (sem pretensões), como em Rei Leão, porém feita para encantar os olhos de quem senta para, na sala escura, assistir e ouvir atentantamente o que se passa na tela.
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