Revi por esses dias esse filme de Peter Greenaway. Não sou asssíduo frequentador de suas obras. Vi apenas esse e “Afogando em número”. Custa-me confessar que ainda não tenho uma opinião bem resolvida sobre sua obra. Nem tampouco sobre esta. Então mais do que um comentário, postarei apenas umas observações a cerca desse seu filme.
“Desde seu quarto aniversário, Nagiko recebe sempre um presente especial. Seu pai um célebre cáligrafo, escreve sobre seu rosto votos de feliz aniversário, remontando a um texto que versa sobre a sobre a criação do gênero humano. Findo esse ritual sua mãe lê um Diário de Cabeceira de Sei Shonâgon, uma dama da côrte que viveu no século X. Durante essa leitura ela crê ver por um interstício entre as cortinas, uma relação homossexual entre seu pai e o editor(algo que só compreenderá quando adulta). Nagiko será marcada para sempre por esses dois traços de sua infância: A caligrafia sobre seu corpo e uma sexualidade que foge do padrão comum, marcada de sofrimentos e banhada por uma atmosfera cálida de dominador/dominado.
Anos mais tarde após uma casamento naufragado, um incêndio, ela parte em busca do amante calígrafo que usará de seu corpo inteiro para compor uma obra literária. Tal busca se mostra improfícua e ela se queda a realidade: Cabe a ela ser a pena, não o papel.
Em Hong Kong, ela conhece Jerome um inglês que se tornará o seu amante. Descobre também que o editor dele é o mesmo que exigia favores sexuais de seu pai. Ela resolve se vingar do editor com um plano bem urdido: Envia a ele 13 livros escritos no corpo de 13 homens. Contudo aflora um sentimento inaudito: O ciúme. Ela fica com ciúme do editor e Jerome dos homens que servirão de papel aos escritos de Nagiko. Tomado pelo ciúme, Jerome planeja um falso suicídio que acaba conduzindo-o a morte. Ela escreve um poema erótico sobre seu corpo antes de o enterrar. O Editor, no entanto o exuma e faz da sua pele um livro de cabeceira.”
Logo de início uma cena maior se desenrola aos nossos olhos. Dividida em duas partes: Os votos sobre a face de Nagiko e aquilo que seu olhar entrevê por uma fresta. Tal cena é retomada a exaustão durante a projeção e podemos então chamá-la de cena primitiva. Cena que ira nortear toda a história. E que irá servir de base ao que mais instiga nesse filme: A associação entre sexo e literatura.
O filme em si é bom. Ainda mais se levarmos em conta o que nos chega à tela nos dias de hoje. Contudo é necessário fazer algumas ressalvas. Apesar de aparentemente audaz e complexo, todo o arcabouço pode se esboroar diante de um olhar mais atento. Digo que tematicamente tudo está lá, tudo se encaminha para lá: a imagem e o texto, o corpo e o livro, o sexo e a morte, o prazer e a dor. A idéia fixa-se lá, mas a obra parece ter sido feita por um cineasta que se valeu de seu nome e de sua idade para realçar suas ambições sem descer do patamar para verificar a veracidade do que filmava. Enganosa a imagem que ele capta do mundo oriental. Faz-nos crer que a compreende, mas soa-nos mais um olhar de turista que tudo capta com sua câmera, sem necessariamente compreender o que fixou em suas lentes. A direção dos atores inexiste. Eles agem como modelos para criação de cenas que hipnotizam pelo insólito. Não existe complexidade na feitura dos personagens, pois inexiste de sentimentos que o movam. Impossível captar comportamentos humanos. Apenas traços deles. Traços disformes que não definem ninguém. Parece sempre que os personagens ficam apenas na superfície, não existe envolvimento, prende-se ao que existe de mais simples naquele lugar comum (ou caricato), sem preocupação em mergulhá-los em ramificações mais densas, quer sejam mitológicas, psicanalíticas ou históricas. O filme enfadonha a quem assiste. O texto e o mise en scène não se casam. Existem muitos clichês e repetições que não conduzem a lugar nenhum.
Algo que me choca por demais é ter a nítida impressão que Greenaway não curte a idéia de que exista a natureza ilusória do cinema. Tudo é teatral demais, não se cria aquela ilusão do real, fazendo com que a amalgama espectador e atores não se firme.
A câmera parece captar apenas o plano, nada de composição, nem de ritmo, nem de significação do todo. Parece que o diretor quis montar um quebra-cabeças e lhe faltou tempo para concluí-lo. Ou pior, desistiu de completá-lo. Mas seria injusto afirmar que a obra não me cativa. Cativa, mas comete erros grassos em termos cinematográficos. Prende como um enigma a ser desvendado.
E o todo que vemos na tela parece descosido. Bela, no entanto a captação do nú, que jamais remete a cenas vulgares ou escatológicas.
Para ser visto por quem quer trabalhar como artífice da composição de um filme que ainda não se concluiu.
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