Se você precisa de motivos para assistir a esta Obra-Prima de Arthur Penn, são eles Anne Bancroft e Patty Duke.
Interpretar Anne Sulivan é sem dúvidas um dos maiores desafios que uma atriz possa ter. Sulivan foi uma menina cega, e após cirurgias conseguiu reestabelecer certa parte da visão. Teve uma infância difícil, vivendo em asilos e instituições para doentes juntos com seu irmão também criança. Agora adulta, se tornou professora, e foi chamada para educar a menina Helen Keller. Agora imaginem como educar uma criança cega, muda, surda e, de quebra, com problemas mentais. Esse é o desafio de Anne Sulivan que além de ensiná-la como conviver socialmente, lhe ensinará acima de tudo o significado do amor, um sentimento tão abstrato, que até mesmo para nós com nossa visão e audição perfeita, é difícil de entendê-lo.
Arthur Penn criou uma obra-prima inigualável, humana e devastadora. Grande direção de atores e uma maneira tão singela de construir a relação das protagonistas que pegam o espectador desprevenido. Helen Keller aprontando todo tipo de bagunça na sala na presença dos pais e da tia, jogando o berço do bebê no chão, perturbando a paz alheia, e quebrando objetos da sala. É nesta situação que seus pais, movido pela pena, sem mais o que tentar, pensam em interná-la numa Instituição para Doentes Mentais, até que a mãe intervém e pede ajuda a uma instituição educacional. É aí que entra em cena Anne Bancroft, que já chega roubando o filme pra si. Mostrar o desespero dos pais e a postura incorrigível da menina logo no início do filme para então colocar em cena a solução para este caos foi de uma grande competência de Arthur Penn. Claro que nós espectadores ficaríamos fervendo de curiosidade para saber como a professora se entrosaria com a aquela menina completamente mal educada, agressiva e que não entendia uma palavra.
O filme vai se tornando cada vez mais poderoso o que faz ficar impossível de desgrudar os olhos. E depois desse evento podemos até prever um desfecho sentimental e previsível onde a menina fica curada e Anne Sulivan cumpre seu objetivo deixando aquela lição de moral sobre amar as pessoas e fazer o bem sem olhar a quem. É por aí que o diretor surpreende ainda mais nos dando um final absolutamente lindo e aparentemente não terminado, além de dar um desenvolvimento espetacular da narrativa do filme. O mínimo que possa ter atrapalhado foram alguns flash backs que ficavam sobrepostos no rosto de Sulivan enquanto ela imaginava sua infância. Pouco necessário e sem muita inspiração, quase sendo atropelando pelas próprias filosofias.
Com simples, porém grandes metáforas, como a de que "um pássaro precisa sair do casco", o filme é uma triunfante batalha a fim de vencer os obstáculos que nos impedem de ver além dos simples olhos e entender que sem amor a vida é mais penosa. O sentimento de pena e o amor duelam durante a estadia de Anne na casa dos Keller. Tenho pra mim que a pena é um dos piores sentimentos que existem, e vemos em Helen que a pena não fez nada por ela. Seus pais não a amavam, mas sentiam pena, pena de verem a menina brincando sem ver os brinquedos, pena de vê-la chorando por causa de pirraça e lhe passar a mão na cabeça e lhe colocar no colo por achar que ela não tem mentalidade para entender o certo e o errado. Na verdade a menina nunca aprendeu. Cresceu fazendo o que queria. E Anne Sulivan é a grande chave para torná-la uma menina normal mesmo tendo suas deficiências, e ensiná-la a comer com garfo, dobrar o guardanapo, deixar de resolver tudo com agressividade, saber o que é água e principalmente o amor, seria algo praticamente impossível.
É maravilhoso nos surpreender com filme que aparentemente são tão simples, ou aqueles que assistimos sem ter planejado ou ser surpreendido por atuações que nunca imaginaríamos ver nos cinemas. Arthur Penn dirige cenas tão poderosas que chegam a fazer rir e chorar. A primeira cena da mesa de jantar, por exemplo, tem efeitos distintos, nos fazem chorar, rir, se espantar, nos hipnotizar e nos perguntar como algo tão perfeito foi filmado. O método de ensino de Sulivan espantava, porém funcionava. Talvez fosse assim que ela havia aprendido quando estava na mesma situação. Quando as duas ficam sozinhas numa casa nas redondezas, as perguntas e curiosidades começam a surgir na cabeça do espectador: "E agora?" Estava cada vez mais difícil a convivência das duas e Sulivan já se tornara uma megera para Helen, a ponto de fugir de todo o lugar em que a professora estava.
Mas o ponto mais forte disso tudo, e que sustenta toda a força do filme são as poderosas atuações da dupla. Patty Duke, que venceu o Oscar por sua atuação, deu um show arrasador pra uma menina de apenas 16 anos na época. É sem dúvidas a melhor atuação infantil que já tive o prazer de ver. chega espantar a tamanha veracidade com que ela interpretava. Claro que no início do filme eu realmente pensei que a atriz fosse pelo menos cega. Anne Bancroft foi a razão por eu ter assistido o filme. Depois de ter chamado a minha atenção em A Primeira Noite de um Homem, obra-prima de Mike Nichols, se tornando uma das minhas personagens preferidas, (Amo a Sra Robinson) resolvi assistir o filme que lhe rendeu um Oscar. E pensar que o papel de Bancroft poderia ter ficado com Elizabeth Taylor ou Audrey Hepburn. Bancroft venceu o Bafta e o Oscar, no qual não pode comparecer na cerimônia para receber o prêmio. Sua atuação é uma das melhores do século passado, ficando atrás apenas de Gloria Swanson em Crepúsculo dos Deuses.
O Milagre de Anne Sulivan é sem dúvidas o melhor filme sobre cegueira. Por ser uma menina inteligente, Helen aprendia muito rápido mas não entendia o que estava aprendendo, ou seja ela só "imitava". Através do tato, Anne e Helen desenvolvam uma seqüência de palavras associadas aos gestos das mãos. Toda essa trajetória é um retrato de como não sabemos lidar com a realidade de um ser humano com limites físicos e como a pena e o amor são sentimentos totalmente diferentes. A cena onde Helen aprender que água é água e finalmente pode entender o que significa a frase "Eu te Amo", é um dos momentos mais humanos do cinema. Uma Obra-Prima humana e obrigatória a todo cinéfilo.
Ah, obg Elaine. 😁