Eu estou aqui agora escrevendo uma crítica. Tu estás aí agora lendo-a. Eu não estou aqui agora escrevendo esta crítica. Tu não estás aí agora lendo-a.
É por meio desse absurdo todo que O Mundo Por Um Fio (Welt am Draht, 1973) ocorre. Se o ano de 1999 ao receber lançamentos como eXistenZ (1999) de Cronenberg quase que no mesmo mês que Matrix (1999) dos irmãos Wachowski foi importante para o Sci-Fi, o que dizer então do ano de 1973? Ainda que baseado em um romance do norte-americano Daniel F. Galouye (1920 - 1976) chamado Simulacron-3 (1964), é difícil deixar passar despercebido aqui vários elementos que seriam utilizados em filmes posteriores como os já citados, muitos de sucesso. Não que a ficção de várias realidades diferentes tenha sido inventada pelo diretor (se é baseado em um romance, dãã), mas nunca representada de uma forma tão original e visualmente marcante, quase única. A própria fotografia azulada flertando com um Cinema Noir lembra bastante o excelente Blade Runner de 1982, dirigido pelo irregular Ridley Scott.
Fred Stiller (Klaus Löwitsch) assume o cargo que pertencia ao Prof. Henry Vollmer (Adrian Hoven), que morre misteriosamente. Ele agora é o novo responsável pela direção técnica do instituto de cibernéticos e ciências futuras, que criou um super computador que pode similar o modo como a sociedade se desenvolverá no futuro. Isso abre um caminho de possibilidades econômicas interessantes para grandes empresas, por exemplo: o que devo fazer? que material devo armazenar? que produto posso fabricar?
Pois é, em um mundo capitalista isso pode te tornar Deus (se quiser dá para comprar Deus também, por que não?). E por isso a paranoia toda.
Mas depois de um misterioso sumiço, Stiller resolve começar a investigar, a partir daí, para a sua sorte ambígua, ele estará preso numa interminável teia de conspirações tecnoparanoicas.
Só que até os grandes influentes foram influenciados, Eddie Constantine (protagonista de Alphaville, 1965 de Jean-Luc Godard) aparece em uma cena breve dentro de um carro, no derradeiro capítulo 2. O próprio Fassbinder disse certa vez que assistira Viver a Vida (Vivre as Vie, 1962, também de Godard) cerca de 27 vezes em 1974. É uma pena que o alemão não tenha voltado a se meter em ficções, com um pouco mais de experiência quem sabe, pudesse realizar grandes obras-primas como Solaris (1972) de Andrei Tarkovsky.
O Mundo Por Um Fio é muito bem dirigido, Fassbinder trabalha com seu diretor de câmera/fotografia de vários outros filmes Michael Ballhaus, temos aqui grandes exemplares de como utilizar uma. Seja na giratória que a câmera faz sobre uma mesa durante a conversa de Stiller com um jornalista, ou pelo magnífico plano-sequência em que a câmera saí da porta de um carro e após passar por várias janelas de uma choupana encontra o casal que espera por uma conversa. A direção de arte - cuidadosa ao extremo - é absurda para um filme televisivo, roupas, equipamentos, interiores de casas, oficinas.. Tudo é tão bem trabalhado. E digamos que quanto mais o tempo passa, mais o visual se torna interessante. Afinal, no filme se misturam elementos que nos anos 1970 poderiam vir a ser usados nos anos 2000 com elementos da Alemanha Ocidental na época, tornando tudo esteticamente legal sem ter ficado datado ou ridículo. Mas se fosse para definir Welt am Draht com uma palavra, essa seria: espelho. No primeiro capítulo (no segundo nem tanto), era um festival deles, dos mais variados tamanhos e formatos. Chegando a ter 1 espelho diferente a cada 4 ou 5 minutos. Nos 212 minutos somados, a conta deve chegar a quase 100 reflexos. Alguns distorcidos, outros simbólicos, alguns mera estética, mas todos muito bem encaixados no visual. Lindíssimo.
Ao contrário de muitos, não considero esse um dos melhores projetos de ficção científica da história do cinema, não nego a sua importância, e também não o considero um dos melhores filmes de Fassbinder (embora essas definições de melhores e piores sejam puro fetiche). O Mundo Por Um Fio sofre de vários problemas de ritmo, roteiro (embora explicar tudo o que é apresentado aqui seja loucura) e reviravoltas. Algumas atuações são caricatas e de insanidades toscas ou até gratuitas, e quanto mais nos movemos para o final, começamos a ser bombardeados com reviravoltas que ora soam interessantes, ora soam desnecessárias. O filme nunca parece encontrar um ápice, e quando aparenta chegar perto, desaba e volta a demonstrar os mesmos problemas. Embora, vale lembrar, trate-se de um filme divido em duas partes, feito exatamente para não matar o telespectador no cansaço.
Após o término, nota-se que além de esteticamente ousado e de andamento irregular, o filme também é muito inteligente e nos leva a questões interessantes. Somos cópias de tudo ao que somos apresentados? Uma máquina imita o sentimento humano ou nós que somos egoístas ao pensar que o afeto e o carinho são uma necessidade apenas nossa? Podemos nascer 500 vezes diferentes e ter 500 personalidades diferentes? Ou melhor, poderemos um dia responder tais perguntas?
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