O diretor Joaquim Pedro de Andrade é hoje lembrado por ter escrito e dirigido a adaptação para o cinema da obra de Carlos Drummond de Andrade, Macunaíma, de modo irreverente e brilhante, seu filme mais popular e simbólico dentro do contexto nacional da época em que foi realizado. Por esses motivos se torna espantoso assistir ao O Padre e a Moça sabendo que é um filme do mesmo diretor, visto as diferenças estéticas e narrativas serem aparentemente gritantes.
Enquanto o filme sobre o anti-heroi nacional é rápido, não respira em sua introdução, lançando personagens únicos atrás de outro mais curioso ainda, esta primeira obra do diretor é galgado pela contemplação, pela paciência e pelo silêncio, atendendo ao realismo, ao contrario da tom quase surreal Macunaíma. Mas sim, ambas as obras são do mesmo diretor, uma feita em início de carreira de cinéfilo provavelmente admirador de Antonioni, outro num período de extrema maturidade criativa, mas ambas elevadas ao máximo em seus estilos.
A história se concentra no deslocado triangulo amoroso entre um rico fazendeiro, a moça que foi deixada aos seus cuidados na juventude e um jovem padre recém chegado à cidadezinha. O fazendeiro tem a moça como prisioneira psicológica, e quando o padre chega ali, parece despertar algo dentro dela que a faz desejar se livrar de tudo aquilo que a cerca. E assim cria-se um jogo de extremos onde um homem santo se apaixona pela moça que já perdeu a inocência, em perfeita harmonia com o preto e branco bem definidos e nunca chegam a se misturar.
Obra, genuinamente barroca, procura expressar sua natureza a cada enquadramento. Das mais geniais fotografias do cinema brasileiro. Um filme que se baseia na confrontação de pontos extremos, deus e o diabo, o padre e o fazendeiro, a aparente pureza da moça sendo tentada pelo desejo, e no meio disso tudo, todos eles parecem estar a procura de uma humanização. São pessoas sustentadas pela busca e satisfação do desejo, pela dúvida que ele lhes impõe, sobre o que seria correto ou não. A longa caminha ao final do padre e da moça, é extremamente significante e metafórica nesse sentido.
O filme é de uma beleza encantadora, o silêncio pouca vezes foi tão fundamental, ludibriante e aterrador ao mesmo tempo, a angustia da narrativa nos engasga, mas o interesse na historia é genuíno
Entendi agora. Mas é exatamente por ai a questão do filme. A necessidade de se avançar no tempo deixando alguns moldes, mas a atmosfera do filme é justamente construida - através das atuações, do cenário, da narrativa lenta - se opondo a esse avanço, para criar a sensação de algo desafiador, de que o ambiente - a sociedade - não se encontra preparada para tal processo.
e tinha a resistência no sentido moral também, no sentido "sou um padre não posso demonstrar meu interesse por essa moça" e os outros saberes que não podemos adiantar pra quem não viu, mas que o filme vai revelando pouco a pouco, algo no sentido de manter as aparência. E aí tem a opção do diretor pelo rigor formal, que é o grande aspecto moderno, técnico, inovador, avançado do filme. Essa primeira fase do Joaquim Pedro de Andrade prima por isso - depois de um tempo passo a achar meio chato - Os Inconfidentes já acho um filme aborrecido. O que é interessante nessa primeira fase da obra do diretor é que esse modernismo nem sempre avança ou depõe (no sentido de ser) a favor do que representa. É maravilhoso esse sentido contraditório.
Um filme que com certeza vale a pena ser revisto.
Exato: essa tensão estabelecida.
Bem falado ai. As opções narrativas parecem querer contrapor os ideais do filme, mas em prol de algo maior. Isso é muita noção do diretor, criar a atmosfera dessa forma.
Esse é o maior filme dele, vi quatro ou cinco além, mas nenhum que chegue perto, nem Macunaíma que também gostei. Os Inconfidentes, que você citou começa a irritar em certo momento e no final resulta num filme sem muito de concreto a mostrar, mas ainda assim mantém o Joaquim Andrade como um diretor de estilo ousado na filmagem.