O sacrifício pela sobrevivência
Pode-se dizer, claramente, que o trabalho de Leonardo DiCaprio no cinema é para poucos. Seu talento para encenar os mais diversos personagens é ímpar, não à toa suas várias indicações ao Oscar até então. Ocorre que o ator nunca faturou uma estatueta e, em O Regresso, tenta pela primeira vez. Por outro lado, o cineasta mexicano Alejandro Iñárritu, depois de entregar o excelente Birdman, retornou aqui com The Revenant, numa aposta não tão certeira assim. Prejudicado pelo fiapo de roteiro, o diretor construiu a base sólida de sua história em um único e insuficiente fio condutor, o da vingança.
Ela é o cerne do enredo, que conta a história de Hugh Glass, caçador de peles no ano de 1822, que foi abandonado pelo seu bando depois de ter sido atacado por um enorme urso. Até esse acontecimento, aliás, o melhor do filme, que mostra um animal perfeitamente construído em CGI, pouca coisa acontece e, quem brilha mesmo, acaba sendo Tom Hardy. Ele xinga, dá ordens, esbraveja. É muito mais convincente, até mesmo que DiCaprio, que se limita às caras e bocas, apesar de encarar situações limítrofes, como ingerir carne crua e se proteger dentro da carcaça de um cavalo. Malabarista das situações, até rastejando na neve, Leo é a sensação da temporada de corrida ao ouro, tendo um hype enorme ao seu favor. Enfim, apesar de todas essas contradições, ele atua razoavelmente bem, com alguns exageros, como os citados acima.
A cena inicial do longa já dá mostras do trabalho de fotografia. Emmanuel Lubezki, responsável por esse quesito técnico, mais uma vez dá um show. Numa época em que o 3D abocanha cifras para os estúdios, planos-sequência e paisagens nunca antes vistas fazem falta. Lembrando uma certa invasão de bárbaros, a sequência introdutória coloca, pela primeira vez em cheque, a relação entre o índio e o americano. Temática sutil do filme, a ocupação do oeste estadunidense nada mais é do que esse embate ideológico, entre o nativo e o capitalista. Pouca explorada, essa temática, infelizmente, foi deixada de lado no filme, servindo apenas como um falso maniqueísmo. Adaptado de um livro no qual constavam esses processos históricos de forma mais detalhada, O Regresso ficou centrado apenas na vertente da justiça com as próprias mãos.
A mão pesada do diretor para o filme também atrapalhou muito, inserindo flashbacks estilizados e visões de Glass como se fossem símbolos detentores de significados reais. Porém, tudo não passa, ao meu ver, de besteira desnecessaria, num filme longo, para que este pareça épico. Ate há um ar de glória no fim das contas, mas as situações são tão insossas, salvas as cenas solo de DiCaprio onde ele se vira pra sobreviver, que pouco se absorve da obra, apesar de sua longa duração, quase interminável. A personagem de Fitzgerald, por exemplo, apesar de bem temperamental, pouco fala de seu passado, o que causa estranheza, num filme onde pouco ou quase nada sabemos do passado das personagens. A não ser do de Glass, através dos sonhos dele com a mulher que tinha que era da tribo, nada se conhece. Seu filho também, índio, é outro e único indício.
Violento graficamente, o longa flutua com a câmera e foca o rosto dos atores, estando sempre colado com eles, o que é muito bom, pois suga um pouco a frieza do cenário e das situações. As cachoeiras, as belas montanhas e os altos pinheiros mascaram bem o cenário, por vezes deslocado, de Revenant. Falta uma ligação e uma coesão em muitos momentos, pois vemos que os diálogos são esquemáticos e não fogem de um padrão. A única frase realmente impactante é a que cita que a justiça pertence a Deus e não ao homem. Nesse fator desagregador, podemos ver o dilema de Glas de forma mais clara. Outra ponta mais concatenada é a da justiça com as próprias mãos. Fitzgerald odeia um personagem porque ele errou a trajetoria no curso de um rio? Ele deixa bem claro que é por isso no primeiro terço do filme.
Com alguns motivos banais, O Rtegresso perde a oportunidade de se vangloriar de um tema atual até hoje, o da interferência destrutiva na vida das tribos durante a ocupação do outro lado de um país imenso. Filmado no Canadá e na Argentina, O Regresso foi uma produção difícil, escassa, feita muitas vezes embaixo de chuva, conforme indicaram fontes antes do lançamento. DiCaprio, na ânsia de mostrar seu talento, dispensou até dublês, a fim de mostrar sua performance radical. Nada contra, porém o resultado final ficou extremamente insatisfatório, devido a uma soberba do cineasta talvez. Aborrecido no todo, porém menos verborrágico que Birdman, O Regresso conseguiu ser legal em muitos momentos. Porém da metade pro fim, mostrou que clímax quase não haveria, tamanha a espera por ele. Acontecendo lá pelos minutos finais, não apresentou nada novo nem plot twist, nem cereja de bolo, apenas mais um dos muitos banhos de sangue do filme e mais histeria de fisionomias de DiCaprio, que deve ter saido exausto para casa depois de ultimo dia de gravação de Regresso. Um golpe de afetações por parte de um cineasta mexicano muito talentoso em seu oficio, mas que, aqui, ja deu mostras de sua rendição para o cinema comercial.
Domhall Gleeson vai bem, como já foi em outros filmes. Will Poulter continua parecendo aquele papel dele lá em algum dos filmes da franquia Nárnia (não me lembro agora). Se existe um dom por parte do cineasta é que ele consegue extrair dos atores uma estonteante performance, através da técnica. A câmera focada no rosto ajuda muito a valorizar os atores, e não é porque nesse filme eles estão mais talentosos. Engana bem. O Regresso é um filme espetáculo e contemplativo dentro de contornos místicos mal resolvidos e confusos. Um primor visual, porém uma história linear, pouco explorada, fria, sem tempero. A trilha, falsamente grandiosa, é comum de Blockbusters, diferentemente da ousada trilha de bateria de Birdman.
Determinada passagem, logo de inicio, mostra um tiro irrompendo na floresta. Um dos poucos momentos bons, esse revelou a quebra da primeira camada da relação entre franceses e ou americanos com os indígenas. Soprado por alguém que não quis o bem da obra, O Regresso acabou se tornando uma obra gelada e facilmente esquecível que, apesar de indicada aos seus 12 Oscars, deixou a desejar. Bem que DiCaprio tentou, mas, dessa vez, falhou.
Obrigado, Carlos! Lubezki na direção? Se for tão bom nesse cargo quanto é na fotografia, acho que rola hein haha
😎
Bravíssimo. Tive impressões semelhantes.
Vale, Condinho