Logo em uma de suas cenas iniciais, "O Segredo das Águas" mostra - em um close-up visceral - um senhor raspando e abrindo um corte no pescoço de um bode. Minutos depois, no meio de uma madrugada, vemos um rapaz encontrando o corpo de um homem tatuado flutuando na beira do mar. Ambas as cenas chocam o espectador de imediato, como acontece com a morte em si. Trata-se de um acontecimento que não estamos preparados para lidar, e esse é o tema recorrente do longa-metragem da diretora e roteirista Naomi Kawase.
A trama se passa na ilha japonesa Amami-Oshima, onde as tradições que envolvem a natureza não foram perdidas. Kaito (Nijirô Murakami) foi o jovem que encontrou o cadáver à beira-mar, Kyoko (Jun Yoshinaga) é sua namorada. Juntos eles aprenderão a tornarem-se adultos, experimentando delicadas relações entre o amor, a vida e a morte.
Kawase nos entrega uma obra bastante contemplativa, de longos planos e pausas entre os diálogos, algo que, confesso, me incomodou em alguns instantes, ainda que entenda seu objetivo com tais escolhas. Há planos quase intermináveis em que a diretora enquadra, em silêncio, o rosto de algum personagem, meio que deixando que o espectador adentre seus pensamentos. Havendo conexão com a obra, esse tipo de cena pode ser um prato cheio para reflexão.
Me agrada a sutileza com que a diretora lida com a construção de cada personagem. Em uma das primeiras cenas de Kaito, por exemplo, vemos o garoto sozinho em casa quando recebe o telefonema da mãe. Sua conversa quase monossilábica com ela diz muito da relação dos dois, problemática e distante. Isso resultará em um dos clímax da narrativa, quando o garoto deixa sua emoção falar mais alto, após um longo período introspectivo e com a personalidade reprimida.
Sua parceira, Kyoko, é quem tem o arco narrativo mais interessante, pois tem uma família unida e feliz, mas está em vias de perder a mãe para uma séria doença. A fascinação dolorosa com que admira a morte do bode, em determinado momento, diz muito do que a personagem vivencia ao longo da obra, se preparando para uma grande perda.
Sou um admirador da cultura japonesa, isso por si só me deixaria encantado com o trabalho artístico desse filme. No entanto, a ambientação em uma ilha de população humilde, tornou tudo mais envolvente, visto que lá a cultura oriental ainda é muito viva. Tal escolha possibilitou cenas como a partida da mãe de Kyoko, ao som de canções e danças típicas de seus entes queridos. Foi como um ritual de passagem, um dos momentos mais tocantes da narrativa. O mesmo pode-se dizer do belíssimo desfecho em que vemos o casal nadando nu no mar límpido, algo que tem um simbolismo marcante para com a trama.
Por fim, vale destacar as belas locações da ilha japonesa, que enfrenta diversas variações climáticas ao longo da projeção, mas nunca deixa de encantar os olhos do espectador graças, claro, a eficiente fotografia empregada. "O Segredo da Águas" é esse tipo de filme, que enfrenta diversas variações de emoções e sentimentos, mas que em todos eles nos atrai de alguma maneira.
Crítica originalmente publicada no meu blog pessoal:
http://cinefiloemserie.blogspot.com.br/2014/12/itinerancia-da-mostra-internacional-de_7.html
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