Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel, O
Após assistir A Sociedade do Anel, não pude deixar de me perguntar: será possível que apenas eu me senti constrangido em diversos momentos? É claro que há momentos espetaculares no filme, nisto não há dúvida- mas também não resta dúvida de que há um número quase tão grande de momentos de comédia involuntária.
Logo de cara, dá para perceber o tom grandioso que Peter Jackson emprega ao filme, já o abrindo com sequências de guerra impressionantes. A escala de tudo é enorme: temos sets riquíssimos em detalhes, batalhas épicas, tomadas aéreas de paisagens da Nova- Zelândia... e este tom megalomaníaco é justamente a maior qualidade e o maior defeito do filme. A grandiosidade empregada se mostra apropriada- e necessária- em diversos momentos, como nas cenas de ação, (destaque à espetacular sequência das Minas de Moria, cujas batalhas são de cair o queixo e a construção da tensão, por meio de sons á distância e do uso da trilha sonora, é extremamente eficiente) e, é claro, na introdução ao universo na primeira metade do filme. Entretanto, Peter Jackson parece querer impressionar a todo e qualquer momento, conferindo uma grandiosidade desnecessária a certos momentos (a formação da Sociedade, por exemplo, uma cena ridiculamente forçada), e utilizando de artifícios baratos para comover, como a morte de um personagem-chave, retratada com um slow-motion e trilha cafonas.
Para piorar, o diretor por vezes não tem noção do ridículo, como na luta entre Gandalf e Saruman, que conta com uma coreografia patética (nenhum dos dois se esquiva dos ataques do outro ou os bloqueia, eles só saem atirando desordenadamente seus golpes: são apenas dois velhos se atirando de um lado para o outro), uma montagem extremamente precária (tudo é filmado a partir de closes picotados, o que faz a cena incrivelmente confusa), e efeitos visuais crus, que dão a impressão de que estamos assistindo a uma produção de baixíssimo orçamento. E o pior é que tudo indica que Jackson achava que estava filmando uma cena de ação épica, o que é constatado pela trilha em coro ao fundo, que realça o quão ridícula é a cena em questão.
Mas se Jackson errou em muitos pontos, é admirável o que ele conseguiu fazer com a narrativa e a maioria dos personagens ("maioria"!). No geral, o filme introduz as locações, elementos do universo e personagens de forma orgânica, e consegue desenvolvê-los sem que o andamento da trama seja comprometido na maior parte do tempo- o filme tem uma queda de ritmo lá para o final, mas nada que comprometa. E se o filme possui cenas vergonha-alheia, também tem momentos belos, como a cena com Frodo e Sam no barco, ao final do filme, que se mostra especialmente tocante. Com atuações eficazes que trazem os personagens à vida (apesar de uma certa "rigidez" do elenco), A Sociedade do Anel também conta com uma parte técnica impecável, que impressiona pela fotografia (algumas tomadas no Condado parecem uma pintura), pela já citada riquíssima direção de arte, pelos efeitos especiais, que surgem convincentes até hoje (com exceção, é claro, do confronto entre Gandalf e Saruman), e pela trilha sonora belíssima.
O problema é que, apesar do filme ser repleto de excelentes personagens coadjuvantes, seu protagonista, Frodo, não poderia ser mais bundão. Entre tantos personagens muitíssimo mais interessantes, carismáticos e úteis, é difícil não se questionar o porquê de um personagem tão imprestável (nas batalhas tudo que ele faz é ser jogado de um lado para o outro, e há inclusive certo momento em que um Nazgûl se aproxima dele e tudo que ele faz é tropeçar e deixar sua adaga cair) e tão sem carisma ser o protagonista. O filme parece partir do pressuposto de que, por ele ser o portador do anel, não é necessário lhe conferir utilidade em qualquer ocasião (tudo bem, ele solucionou o enigma da entrada das Minas de Moria, mas a importância dele fica por aí- e nem era uma charada difícil), e já que o anel o afeta negativamente, não é necessário lhe conferir uma personalidade marcante.
Quando os créditos começam a subir, permanece a dúvida: será que filmes baseados na trilogia literária O Senhor dos Anéis podem realmente ser grandes, mesmo se nas mãos de um diretor de maior cacife do que Peter Jackson? Afinal, apesar de algumas cenas do filme serem constrangedoras unicamente devido à mão pesada do diretor, ainda há aquelas em que me pergunto se um cineasta mais talentoso conseguiria salvá-las ou se estariam fadadas ao fracasso- e há quem defenda a ideia de que os livros são carregados de momentos, importantes ou não, excessivamente literários.
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