"ACEITAMOS O MUNDO EM QUE VIVEMOS, COMO ELE É, NO MOMENTO EM QUE NOS DEPARAMOS COM ELE"
Curioso que no cinema as histórias mais absurdas e mirabolantes sejam as mais interessantes. Show de Truman - O Show da Vida consegue reunir um talento dramático até então desconhecido pelo grande público por parte de Jim Carrey, com a sensibilidade meticulosa de Peter Weir (Sociedade dos Poetas Mortos) e a trama fantasiosamente cativante de Andrew Niccol (O Senhor das Armas) para ser um dos filmes mais bonitos das últimas décadas.
Truman Burbank (Carrey) é o típico cidadão perfeito que leva uma vida perfeita em uma cidade perfeita. Perfeita demais. Por isso, sentimento de desconforto e inquietação começa a tomar conta de Trumam, como se seu mundo estivesse desabando. Aos poucos, Truman acaba descobrindo que suas desconfianças acabaram por se tornar verdade: sua vida não passa de uma farsa. Um programa de televisão transmitido para o mundo todo, desde seu nascimento e nada até então havia sido real. A partir daí, Truman tentará se desvencilhar desta vidinha controlada que vem levando há mais de trinta anos.
O filme aborda três pontos de vista diferentes. O primeiro, e mais importante, é o de Truman. Truman representa todos nós, presos em uma vida a qual não temos controle e sofremos a intervenção direta da mídia (e olha que o filme tem quase 20 anos) e muitas vezes precisamos enfrentar medos e amarras invisíveis para podermos viver de verdade. Quando adota o ponto de vista de Cristoff (Ed Harris), o criador do programa de TV, o filme mostra qual a visão de mundo que pessoas como ele tem, principalmente no mundo do entretenimento midiático, onde alguns agem como Deus, sendo os controladores das ações e dos destinos. Há também os espectadores, catatônicos observando a vida de outros e esquecendo de viverem as suas próprias. Há uma bela sacada, ao final, quando o programa finalmente se encerra após mais de três décadas ininterruptas no ar em que, no momento em que o sinal é cortado e um dos personagens pergunta: "o que tá passando no outro canal?". Retrato maior da sociedade atual, não seria possível.
Inegavelmente o protagonista é um dos personagens mais marcantes dos anos 90, mas Cristoff é igualmente poderoso. Diferentemente do que possa parecer, Cristoff não é um vilão, propriamente dito. Apesar de quase matar Truman no momento da tentativa de fuga, ele é mais como um pai superprotetor que não quer que seu filho saia de casa. Quando ele fala com as outras pessoas, ele o faz com dureza e frieza. Porém, quando finalmente fala com Truman, é perceptível o amor que sente por este, pois o acompanha desde o nascimento. O diálogo entre os dois chega a ser emocionante. O elenco ainda é engrandecido por nomes como Phillip Baker Hall, Paul Giamatti, Laura Linney, Natascha McElhone, Holland Taylor e Yuji Okumoto, todos em participações pequenas.
Há alguns simbolismos aqui, como o cenário caindo aos pedaços como se o mundo de Truman estivesse desabando e seu medo do oceano, que mais do que um trauma de infância, representa sua liberdade daquele mundo, por isso tanto medo. E a maneira como Weir brinca com a propaganda, com produtos sendo anunciados a todo momento na vida de Truman sem que este perceba é de uma genialidade por parte do diretor sem precedentes em sua carreira. Isso, sem falar no tocante momento em que Truman colide com a parede do cenário, quando sua busca por liberdade parece ter um desfecho trágico.
Independentemente do ponto de vista que você adote para O Show de Truman - O Show da Vida , ele é um filme que merece ser visto com carinho. É um daqueles filmes que adota uma trama estapafúrdia para tratar de assuntos comuns a todo mundo. E sua magia reside dentro cada um de nós.
Gostei da perspetiva sobre a personagem que é Christof. E Ed Harris arrasou nessa cena, ele teve uma das melhores atuações desse ano!😁
Pois é, Paulo. Harris é um ótimo ator, embora sempre renegado à coadjuvante. Obrigado pela leitura!