‘’O Silêncio dos Inocentes‘’ poderia ser só mais um filme oriundo de um roteiro bem trabalhado. Poderia ser apenas mais um thriller de suspense, no meio de tantos que foram lançados na década de 90 e nos anos posteriores, tais como ‘’ Seven ‘’ e o ‘’ Sexto Sentido ‘’, os quais fizeram um sonoro sucesso, agradando especialmente a crítica especializada. Mas essa obra, dirigida por Jonathan Demme e protagonizada por Jodie Foster ao lado de Anthony Hopkins, é marcante, fria e muito, mas muito bem conduzida, se tornando, na minha opinião, uma das maiores obras-primas do gênero.
Começando com um abreviar do enredo, temos a recém-formada agente Clarice Starling do FBI (Jodie Foster), a qual se envolve na investigação de Buffalo Bill, serial-killer cujo apreço maior é pela pele humana. Ele desseca cadáveres e é uma personagem extremamente sádica. Paralela a essa busca, temos um elemento chave nessa história. Hannibal Lecter (Anthony Hopkins) é o escolhido para ceder informações para Starling e contribuir para a polícia. Porém, há um detalhe. Lecter, apesar de ser psiquiatra e ter tido alguns pacientes, é canibal, ou seja, seu prato predileto é a carne de quem desejar saborear.
Partindo dessa premissa, o filme não se perde ao longo de suas duas horas de duração. O fato do longa “abocanhar” as cinco principais estatuetas douradas da Academia é mais do que justo.
Começamos com o QG onde Starling faz seu treinamento, na sequência inicial, até que ela é chamada para a sala de seu superior, Jack Crawford (Scott Glenn), para ser destacada de seu posto e assumir a investigação de um assombroso serial killer que aterroriza a região de Baltimore. A partir daí é que a história realmente começa, depois de todos aqueles diálogos que dariam o pontapé inicial para lá na frente atingir o clímax da história.
A primeira missão da agente é entrevistar o Dr. Lecter para quem sabe colher o maior número de informações possíveis de seu alvo. Para isso, a protagonista terá de ter acesso a um presídio de segurança máxima em Baltimore e obter sua credencial para finalmente poder ficar cara a cara, defronte a um vidro a prova de balas, ao qual, atrás deste, estaria a figura de Anthony Hopkins. Sim! Anthony Hopkins interpreta a si mesmo, tamanha é a naturalidade com que atua e contracena. Guardadas as devidas proporções, é claro, porque se trata de um homem calculista e que está a todo momento buscando um vacilo de quem está ao seu lado.
Com o desenrolar da trama, e os diálogos entre Clarice e Lecter, vai ficando claro que a relação dos dois é amistosa. Não esquecendo o fato de Clarice ser uma moça bem treinada e atenta aos passos de sua presa. Qualquer deslize, um abraço... E isso quem mostra é Demme e seu excelente trabalho com a câmera, enfocando o rosto das personagens, sem exagerar no zoom desgastante. Não dá para esquecer também da fotografia memorável. Com várias tomadas aéreas, principalmente em cenas de busca policial, a atmosfera opressora de quem está a espreita, só esperando para dar o bote, aumenta, e muito.
Se você espera para ver Buffalo Bill (Ted Levine), o tal serial killer, logo de cara, pode ficar esperando. A apresentação deste é feita no momento certo, sem comprometer o andar da carruagem. E isso é um ponto positivo para o diretor Jonathan Demme, que também deixa muito bem transparecer que seu objetivo aqui não é ‘’tocar o terror’’ ou focar em sustos, e sim compartilhar com o espectador o psicologismo que compõe a tela. Os diálogos, os olhares, profundos e venenosos, presentes nos shows que são as aparições de Hopkins no filme. Tudo é bem amarrado e, quando parece que haverá pontas soltas, boom! Uma reviravolta surpreendente, uma cena de tirar o fôlego..
Podemos tecer inúmeros comentários acerca das personagens, porém todas elas agem como uma só. A teatralidade, a indignação e a ironia muitas vezes se confundem, mas quando as misturamos aqui, tudo fica inconfundível. ‘’ O Silêncio dos Inocentes ‘’ é um filme de personagens sedentos. Alguns por vingança e prestígio, outros por satisfação e um, é claro, por sangue jorrando. Grandes atuações, perspectivas inusitadas por parte de Demme, equilíbrio na composição do elenco, que por sinal foi sabiamente escolhido, marcam essa obra, que não perde o ritmo e é objetiva do início ao fim, com destaque para as diversas cenas memoráveis e até um pouco, digamos, assustadoras.
Vale refutar o pouco tempo de Lecter em cena. Sim, ele não aparece muito, mas na verdade está em todas as cenas. É como um tubarão faminto num mar caótico. É possível sentir que ele pode estar ali, mesmo não estando, tamanha é a genialidade de seu discurso, que "pesa no ouvido", que fica roçando na orelha. Ele sabe quem está atrás dele, sabe que talvez queiram se aproveitar de seu discurso para armarem contra ele. Todos tem medo dele, menos Clarice. Ela é a única que parece entender o ‘’discurso intelectual’’ do doutor, ou, na verdade, psicopata, no sentido mais pejorativo da palavra mesmo, quando dá a entender que ele realmente é um monstro.
Demme, demonstrando ser profundo conhecedor de quem iria ter em mãos para trabalhar, não entrega de bandeja as cartas do baralho, e sim usa do roteiro que tem para traçar perfis. Enquanto Crawford, por exemplo, tem uma personalidade mais instintiva, Clarice usa do psicológico para entender seu “objeto de estudo”, sua vitrine, que é justamente Hannibal Lecter. O objetivo dela é sim desvendar o caso, mas além disso, é poder entender o que se passa na mente de psicopatas e o que os leva a cometer determinados atos brutais e incompreensíveis.
Finalmente, podemos dizer que ‘’O Silencio dos inocentes‘’ é a mistura de elementos obrigatórios de um bom suspense, sem perder de vista a construção de personagens interessantes, os quais interpretadas por atores do mais alto calibre, capazes de transformar situações obscuras em situações passíveis de ocorrer na realidade. Afinal, precisamos nos permitir ir a fundo em todo o que fazemos, como Clarice, corajosa, fez. Em um diálogo do filme, Crawford pergunta a Clarice se ela se assusta facilmente. Convicta, ela balança a cabeça dizendo que não. Não sei quanto a você, mas eu vi, ao terminar de conferir esse filme, que nossos medos são maiores do que realmente imaginamos. Pense nisso.
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