Depois de Touro Indomável ficou muito difícil falar sobre boxe e ser original. Depois de O poderoso Chefão, então, você deve imaginar o quão desafiante o tema máfia se tornou em um filme, pois absolutamente tudo remeteria a família Corleone. Mas nenhum tema ficou mais complicado de tratar, principalmente renovar do que a ambição humana, após o ano de 1941. Cidadão Kane, para os cinéfilos mais jovens entenderem, teve o mesmo – senão maior – impacto que Batman - O cavaleiro das trevas teve para o cinema blockbuster. Não estou comparando o valor das duas produções, somente o grau de impacto em duas épocas totalmente diferentes da sétima arte. De qualquer jeito, ganância se tornou algo intocável, impossível de ser superada em um filme, isso porque o tema foi tratado de forma definitiva, portanto insuperável, apenas igualável. Mas, se Menina de Ouro conseguiu ser tão fantástico quanto Touro indomável, e Os bons Companheiros tão bom quanto Chefão, porque, nas mãos certas, O tesouro de Sierra Madre também não seria outro milagre cinematográfico?
Falando nisso, há uma frase que o Coringa do Heath Ledger diz, que é perfeita para a ocasião: “Sou um cão atrás de carros, eu não saberia o que fazer se eu pegasse algum, entende? Eu só faço as coisas! ”. Em algum momento da jornada daqueles três homens no deserto, isso de fato acontece, mesmo que seja previsível desde o começo, da maneira mais imprevisível e animalesca possível. Por exemplo, deixar um amigo, que já passou por cima de tantas dificuldades com você, morrer no deserto e depois voltar no mesmo lugar para ver se essa intenção procede é algo moralmente condenável. Porém, a ganância é tamanha que quem poderia se atrever a condenar um ser humano impulsionado pelo mesmo desejo de cobiça que poderia, perfeitamente, nos assolar naquela mesma situação? A-há, o filme é cheio dessas ironias que deixam o espectador pensando sobre isso muito depois do filme acabar, e ter narrado a história de três homens, três vagabundos comuns, levemente estereotipados em brutalidade, que parte para as montanhas mexicanas em busca de ouro. Se achassem o mineral, de fato, iriam dividi-lo em partes iguais entre o trio. Mas quem disse que com o ser humano é tudo tão fácil?
Humphrey Bogart era um camaleão, um dos melhores camaleões que o cinema já apresentou. Após ter feito o “insensível” e elegante Rick, em Casablanca, o cara era poderoso o bastante para se igualar em colocar para fora de si o vagabundo Fred C. Dobbs, um homem sem nenhum escrúpulos, que não confia nem na própria sombra, um olhar repulsivo num corpo, após meses no deserto, menos sujo do que a própria alma – a fotografia amplifica essa sensação de infelicidade, pois por ser preto – e – branco , personagens e ambientes remetem a decadência e frieza. Tais características podem lembrar o personagem Rick, porém Bogart interpreta Fred com mais competência e veracidade, principalmente nos momentos finais. O ator tem um desempenho tão extraordinário durante o filme que não seria um exagero comparar com a evolução de interpretação que Pacino teve no primeiro Chefão. Outro que não fica para trás é Walter Huston, justamente o pai do diretor do filme, John Huston. O resultado foi mais uma ironia, uma das várias que cercam o filme: Um Oscar de Ator Coadjuvante para Huston, o pai, e um Oscar de Direção para Huston, o filho, além do prêmio de Roteiro adaptado, aliás, que roteiro imortal! É verdade que há vários diálogos expositivos e exageros em certas cenas, mas cá pra nós, uma história como essa que consegue se igualar ao poder de Cidadão Kane merece muito mais do que um Oscar, merece amor público!
Apesar de O tesouro de Sierra Madre ser um filme de enorme facilidade de identificação, não há mulheres, nem como personagens secundários. Isso fica mais nítido hoje em dia, já que agora 5 em cada 10 filmes precisam ter bundas e peitos por bilheteria. Não só por isso, mas por todo o calor e apelo de uma obra-prima tão imortal, reflexiva e importante para o cinema, o diretor John Huston realizou uma obra-prima forte, super provocadora em termos atuais de cinema e que influenciou Paul Thomas Anderson em uma obra-prima moderna, Sangue Negro, de 2007, inacreditáveis 59 anos depois. Realmente há várias coincidências com o clássico de 1948, um faroeste dramático que produziu vários clichês dos dias de hoje. E essa é a maior ironia que um filme pode ter, talvez: A capacidade de gerar os clichês de amanhã.
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