UM NOIR SUB-URBANO
Estréia do bem-sucedido roteirista Brian Helgeland na direção, O Troco - adaptado do romance The Hunter, de Donald E. Westlake - nos apresenta uma interessante narrativa que mistura elementos noir (como a narração em off) com o típico jogo de ladrão-que-rouba-ladrão bastante comum em obras similares, resultando em um dos filmes mais ignorados do final dos anos 90, mas que se mostra bastante superior à grande parte de obras mais conceituadas.
Mel Gibson vive Porter, ladrão profissional traído por sua esposa Lynn (Deborah Kara Unger) e seu comparsa Val (Gregg Henry) e que ressurge não para se vingar, mas para reaver o que lhe foi tomado no motim: "míseros" US$ 70 mil. O que de mais bacana O Troco nos apresenta, mesmo com sua interessante estrutura narrativa e a fotografia com predominância das cores frias, princialmente o azul quase "metálico", é mesmo seu protagonista. Bem incorporado por Gibson, posso dizer que Porter é seu melhor personagem desde Max de Mad Max. Porter não brinca em serviço. Consegue ser, ao mesmo tempo, elegante e impaciente. Não pede a mesma informação mais de duas vezes. Na segunda, você diz o que ele quer saber. Porter é discreto, mas nem por isso menos audaz. Possui um quase imperceptível humor negro (quando uma personagem lhe diz sentir muito pela morte de sua esposa, ele responde com um seco e hilário "for what?") e um senso surreal de justiça dentro do mundo do crime organizado. Enquanto todos os outros personagens riem da situação e tentam entender como alguém pode ir tão longe por uma quantia tão insignificante, Porter faz questão de reaver o que lhe pertence. E tamanha obstinação acaba rendendo uma das melhores falas do filme, logo no início, quando ele afirma: "a maioria das pessoas não sabe o quanto vale suas vidas. A minha eu sei: 70 mil.".
Com um elenco de apoio bem experiente, com Maria Bello, Lucy Liu, Bill Duke John Glover, David Paymer, Kris Kristofferson, William Devane, entre outros, Gibson se sente completamente a vontade para carregar o o filme nas costas e acaba se saindo muito bem. O Troco é um filme violento e seus personagens também. Gibson compreende isso e assume as atitudes de Porter com uma naturalidade impressionante, sem que seus atos pareçam um acontecimento atípico, mas também não os deixa soarem banais ou mesmo cansativos para o personagem. Acostumado a interpretar mocinhos sem graça, com exceção de Mad Max e Máquina Mortífera, Gibson tem em Porter a chance de extravasar um pouco e divertir-se com as atitudes violentas e de certa forma anti-heróicas de Porter.
Com um interessantemente satisfatório desfecho (reza uma lenda que o diretor gostaria de refilmá-lo, como teria feito com outras tantas cenas, mas Gibson - também produtor do longa - o afastou do corte final da obra por preferir o final original). Se é verdade ou não, ninguém além dos envolvidos sabe. Apenas sabemos que O Troco, bem como o final adotado para ele, ficaram bem acima da média. Um filme incomum na carreira de Gibson, mas que lhe rendeu algumas das melhores cenas que já protagonizou.
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