Em um de seus primeiros trabalhos no cinema, Fassbinder entrega um curta-metragem de 11 minutos muito bem utilizados. Depressivo, pós-guerra, incompreendido, usurpado, enfim, todas essas coisas felizes que o cineasta alemão viria a tratar em sua futura carreira.
"- Pois não?
- Posso usar o seu banheiro?
- Mas, por quê?
- Para me suicidar." (Único diálogo do curta)
Der Stadtstreicher (1966), em tradução literal O Vagabundo, traduzido no Brasil como O Vagabundo da Cidade é um curta quase amador. E isso lhe dá certo charme, e certamente o que eu direi agora é o maior clichê dos bons curtas, mas é preciso: vale mais do que muito filme de 3 horas por aí. Porque Der Stadtstreicher consegue nos entristecer, nos fazer rir e refletir. Algo sempre louvável no cinema.
Não é o primeiro curta-metragem de Fassbinder, o primeiro seria This Night (1966), mas se perdeu no tempo e agora é mais do que uma raridade, tornou-se uma lenda. E talvez nunca seja encontrado, mas quem sabe um dia alguém descubra por aí uma cópia perdida. O Vagabundo é o primeiro que podemos assistir ao menos, mas vale como estudo inicial de uma carreira brilhante deste que talvez seja o maior diretor do chamado Novo Cinema Alemão. Detalhe: ele tinha apenas 21 anos quando entregava ao mundo esse curta visceral e alarmante.
O dito vagabundo perambula pelas ruas da cidade, com uma mala na mão, parece não ter rumo, junta da rua o que lhe convém, senta onde lhe parece melhor, praticamente um mendigo. De cara, ele mais parece um trabalhador comum do que um abandonado. E logo no início, já nos vem a cabeça o pensamento "seria ele um vagabundo mesmo, ou uma pessoa sem oportunidades? Um desperdiçado, esquecido pela sociedade?", e aí mora a instigante crítica social do diretor, que em poucos minutos nos leva a um sufocante abismo em preto e branco.
Der Stadtstreicher é a homenagem de Fassbinder ao seu filme favorito na época, Le Signe du Lion (1962) de Eric Rohmer. Que trata de um tema quase que de total semelhança - mas aqui não conhecemos o passado ou mesmo os motivos concretos dos rumos da vida do Vagabundo.
Em sua curta jornada pelas ruas cheias de pessoas vazias por dentro, o solitário homem encontra as mais diversas figuras e vive os mais indesejados momentos. Toma água de um monumento na cidade, encontra uma arma, come qualquer coisa em um parque (ao som de música clássica), até procura um emprego (como eu já havia dito, de vagabundo ele não tem nada, até por usar uma mala, nos passando a sensação de estar realmente em busca de um serviço). Mas tudo o que consegue é o desejo de suicidar-se. Sua vida social, sua honra e sua alma já morreram. Ele agora só quer a dignidade de acabar com o corpo, essa parte pesada que resta perambulando pelos cantos da Alemanha. E busca essa dignidade em uma moça desconhecida, bate à sua porta, pede para ir no banheiro cometer suicídio - no único e já citado diálogo -, é a única vez em que ele irá chamar a atenção, que ele será realmente notado. E ele deseja que nesse momento tenha pelo menos um pouco de paz, e que seja em um ambiente limpo, não em alguma esquina qualquer. Seu desejo é negado, ele procura um banheiro público, lá é sujo e movimentado. Não lhe resta nem mais o suicídio. Na cena final, dois jovens bem vestidos roubam a arma que ele havia encontrado e o fazem de bobo, como se aquilo fosse divertido, como se o mundo ainda não houvesse lhe triturado o suficiente. Ele imagina matar os jovens, mas não pôde matar a si mesmo, que por sinal, já estava há muito tempo morto.
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