O título nacional "Onde os Fracos Não Têm Vez" para o original "No Country For Old Men" presume que a ideia de “homens velhos”, que dá nome ao romance escrito por Cormac McCarthy no qual o filme foi baseado, está ligada de algum modo à fraqueza, talvez em relação ao princípio de que os tempos mudaram, o novo se sobrepõe ao antigo, que já não tem mais lugar. É sobre isso que trata esse que talvez seja o melhor trabalho dos irmãos Coen, mas, vale dizer, não só sobre isso, e o poder de seu discurso melancólico e furioso, que o título brasileiro não “traduz”, merece algumas palavras a respeito.
Estamos em um Texas contemporâneo, na década de 1980, que corresponde hoje ao velho oeste do século retrasado, lugar que ainda se nutre das histórias que moldaram os mitos do imaginário americano – o pistoleiro solitário; o homem da justiça que honra a estrela ostentada no peito; etc. -, mas que, apesar do evidente apego ao outrora, não consegue passar ileso ao novo, de forma que os ícones romantizados que os velhos perpetuaram através da oralidade, dos causos e lendas contadas e recontadas, acabam perdendo espaço para novas figuras, bem menos heroicas, como o matador Anton Chigurn (Javier Bardem), encarregado de recuperar para um cartel de drogas uma mala de dinheiro encontrada por Llewyn Moss, um medíocre ex-veterano (Josh Brolin) do Vietnã.
Chigurn é assumido, numa perspectiva atual, como uma representação dos velhos caçadores de recompensa, figuras recorrentes do gênero western, mas sem carregar o valor romântico atribuído a esses sujeitos pelo boca a boca ao longo dos tempos, mostrando-se desde a primeira como uma sombra errante cujo silêncio e as expressões vazias são marcadas não pelo charme mítico de forasteiro solitário, mas por um ódio e uma maldade pulsantes, catalisadores da violência desenfreada daquele contexto atual. Sim, porque o vilão brilhantemente interpretado por Bardem (que, literalmente, os Coen vão mitificando e eternizando, com ajuda da presença do ator, diante de nossos olhos) não vai atrás da presa apenas por honra ao serviço do qual é incumbido, mas por um prazer mórbido em perseguir, caçar, encurralar e liquidar, e é assim, com poucas palavras e muita ação, que seu mito vai sendo construído aos poucos, sob os olhos sempre melancólicos e perplexos do xerife vivido por Tommy Lee Jones, um desses velhos aos quais se refere o título original, que não sabe ao certo como lidar com a atualidade implacável e devastadora.
O xerife, que serve como ponte entre os símbolos do passado (por isso a escalação de Jones é tão certeira, por ele carregar essa força, nas expressões comedidas, do justiceiro incorruptível, mas alquebrado pelo tempo) e as lendas construídas de hoje, representa então esse choque de gerações do qual o filme fala, em que policiais agora são estrangulados por assassinos furiosos ou alvejados por cilindros de ar comprimido ao passo que antigamente nem precisavam carregar uma arma, e os Coen nos dão a perspectiva desse homem desiludido, marcado por sonhos de um tempo em que tudo era mais fácil, no qual o papel dar seguimento a uma geração familiar de xerifes como fora seu pai e avô era uma missão honrosa e se bastava em si, visto que a autoridade era respeitada o bastante a ponto de sequer precisar sacar uma pistola. Por isso o final, por vezes criticado e mal compreendido, é tão potente ao arrematar esse embate do ontem e do hoje, no que se refere ao interior americano, em poucas palavras do xerife, que constata tristemente que a sua austera figura de homem da lei, como fora a do seu pai (que, simbolicamente, morreu mais novo do que o filho está agora, por isso permanece eternamente ‘jovem’ na memória), perdeu espaço para os novos mitos corrompidos, frutos de uma sociedade moderna idem.
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