O jogo de gato e rato de Friedkin
Condensar um roteiro tão eficiente em um filme de aproximadamente uma hora e meia de duração parece tarefa difícil para os diretores atualmente. William Friedkin, cineasta de O Exorcista, conseguiu entregar um dos melhores policiais urbanos de todos os tempos, numa película frenética, abarrotada de acontecimentos, onde não se pode piscar, de jeito nenhum. Os dois pilares da obra, as personagens de Popeye e Cloudy, ganham contornos realistas, graças ao desempenho incrível de Gene Hackman e Roy Scheider. Este último, de Tubarão (1975), encena com um detetive durão, linha dura, daqueles que sai na noite para esmiuçar a podridão de uma Nova York doce e corrompida. Esse paradoxo da beleza da metrópole encontra nas mãos de Friedkin um deleite visual. Operação França, de início, já mostra uma morte bem inusitada. Um homem vai até a padaria, sai, segue por uma rua estreita e, lá, é alvejado por um individuo misterioso. Em seguida, vemos uma abordagem policial. Um papai noel, na verdade um homem da lei disfarçado, interroga um homem supostamente envolvido com droga. A imagem de cidade esteticamente perfeito nos moldes da Sétima Arte é desconstruída.
O enredo também se apoia em uma história paralela suficiente. Um estrangeiro, vindo da França, Alain Charnier, passa a ser suspeito por uma atividade ilícita num porto. Outro, Salvatore Boca (Tony Lo Bianco), também desperta o interesse do departamento de polícia, depois que uma atividade de fachada é constatada para encobrir crimes. A partir dessa gama de alvos, Friedkin coloca Popeye como o contraponto das expectativas. Ele custa a convencer a justiça para que investigue a fundo o caso em que acredita ser real. Determinada cena, ele aparece fitando uma mulher de bicicleta enquanto está no carro e, depois, na cena seguinte, está transando no seu pequeno apartamento. Fora isso, Popeye possui um grande descrédito por ter permitido a morte de um policial. A falta de confiança nele vai minando ao longo do filme, conforme a problemática vai se desenrolando.
The French Connection não é apenas um filmão de enredo eficiente, mas também um estudo da estéril rotina das pessoas de bem, anestesiadas pela quebra constante do status quo pela força do tráfico e dos bandos. Um grande carregamento de droga que está para chegar é o núcleo do filme. O título nada mais é justo, pois centra em Charnier e em sua discreta ou não participação nisso tudo. Falando em termos técnicos, a obra é composto por músicas executadas no piano, para dar o tom de perseguição na incessante Nova York. A obra também possui passagens por Washington. Conseguindo aparar integralmente as pontas, Friedkin cria fios condutores na história. Angie Boca, a suposta esposa do traficante, aparece como pista fundamental para a polícia. O estudo de observação de Friedkin olha de cima embaixo
a cidade desnuda, completamente à mostra de suas mazelas e feridas. Sua câmera voraz passei dentro do carro, distorce vielas, acompanha a velocidade dos metrôs, analisa feições e valoriza diálogos num jogo de linguagem próprio. Como Wittgenstein já dizia, no campo da filosofia, a palavra assume diferentes formas. Com isso , quer dizer que, na periferia, o tom é um, já na cidade, o discurso é outro.
Solto, sem amarras, Operação França é um filme de tiros, sem exageros, como explosões à lá Bay. Tudo dentro dos conformes, num filme belo e sujo ao mesmo tempo. Marca de uma gênese de Friedkin no cinema, lá em 1971, culminando com uma podridão ainda maior lá em Killer Joe. Uma fonte de água límpida esse French Connection que serviria de subsídio para uma carreira próspera de um mestre, um Friedkin tão valorizado como é hoje. Filmaço! Aula de direção!
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