O carro negro chega. A vizinhança, por todo lado, para e observa o movimento. Do carro, sai o caixão, carregado por homens, até a casa. A “nonna” chora escandalosamente, a família desaba em lágrimas, alguns nem tanto. Os irmãos fazem sua “despedida”, as crianças brincam de arma pela casa, as mulheres ficam na cozinha. Os homens sentem raiva, querem fazer justiça. O padre se preocupa, mas como alguém com medo, só pode oferecer sua reza para a família.
Essa sequência inicial (após o diálogo de Floresta Petrificada [The Petrified Forest]) de Os Chefões (The Funeral, 1996) parece sintetizar o filme de Ferrara. Se Scorsese em Os Bons Companheiros (Goodfellas, 1990) revela o luxo do mundo gângster e Coppola mostra a crise dos negócios na família em O Poderoso Chefão (The Godfather, 1972), Ferrara parece filma a decadência daquele mundo e a crise não dos negócios exatamente, mas sim emocional. The Funeral é um filme sobre crise existencial, de ceticismo onde não se existe uma base familiar sólida, um consolo para os homens, mas sim uma desestrutura. Qual é o papel da família? Para os personagens de Coppola, é impensável que exista essa fratura entre seus homens e seu contato com os parentes, assim como para Scorsese também. Parece que a linha narrativa desses dois, quando apresenta a crise, o problema, só ai então que reflete na família. No caso de Ferrara, desde o começo já existe esse inferno, medo, descontrole.
Embora, os indícios de sua história conturbada pareça se adequar ao estilo de Coppola, ocupa um espaço diferente e contrário. A narrativa de The Funeral, é construída por meio da lembrança, do remorso, do erro. Ainda que não seja um filme sentimentalista, os personagens de Ferrara se encontram de face a sua desestabilidade emocional, até então mascarada. A hierarquia sempre presente no gângster, é rompida, todos aqui partilham de uma mesma desesperança consigo mesmos. Aí, o filme de Ferrara parece adequar um tom de guerra psicológica, aqui não se vê metralhadoras, tiros para todos os lados, seus personagens são santos imundos.
Se a família não representa mais uma base a qual na visão de Coppola era o abrigo, para que serve ela então? Ferrara impõe a mesma loucura, obsessão – no caso aqui vingativa – da qual Scorsese via em seu Taxi Driver (idem, 1976). Parece que nesses dois filmes, os conflitos externos parecem só servir para afirmar o próprio caos interno de suas personagens. O filme de Ferrara, viaja através de sentimentos, de memórias, de personalidades, por isso não há a necessidade de ir além, já que o funeral, objeto principal e título do filme, serve como ponto de partida para seu conto imoral e caótico sobre as personas que habitam seu cinema.
O que movimenta um filme gângster? O filme de Ferrara parece contradizer a lei inicial, os padrões. Não há deus em seu cinema, não há esperança, não há mundo melhor, não há leis, não há regras. Seu mundo de origem primitiva parece não haver caminho para um sinal de paz ou futuro. Aliás, o futuro é uma palavra proibida no vocabulário cinematográfico de Ferrara. A paz em seu cinema se baseia na violência, não exatamente física, mas em todas suas formas e maneiras. O sexo e as drogas parecem ser o único meio a qual o homem pode “escapar” de seu inferno, mas em Os Chefões (The Funeral, 1996), praticamente não há nenhum dos dois. Dessa vez o vício é a lembrança, a memória é a metralhadora que fuzila os cérebros desses homens engravatados que quando não esperam por sua morte, estão por aí, se matando.
Nota 9,0 Ricardão! Sobe isso aê cara, kkkkkk!
Mais uma vez, excelente texto caro...
Puta crítica man. O funeral de Ferrara não diz respeito à morte de um personagem apenas, mas principalmente a morte de um homem digno de nos dar um futuro decente. E com ele, jaz a esperança da mudança. É uma constante no universo do Ferrara e sua grande metrópole. Não é a toa que o filme se passa nos anos 30 enquanto a grande maioria de seus filmes, passados na década de 80/90, são uma consequência desse passado.
Muitíssimo obrigado Darlan, Lucas e Caio!
Sempre venho ler os textos do ?Ricardo, e percebo que devo parar de escrever sobre os filmes do Ferrara. 😳😏