O que mais me impressionou em Os Imperdoáveis foi ver que a coragem humana muitas vezes não é oriunda de nossa própria convicção, mas sim de meios lícitos artificiais, como a bebida alcoólica, que tira o ser de sua sobriedade natural. Bill Munny, pistoleiro aposentado, é um claro exemplo de indivíduo arrependido de suas escolhas. Valente e durão, Munny relata que já matou muitas crianças e mulheres, porém revela não se lembrar de muitos desses assassinatos, por estar sob efeito de vícios dos quais ele tinha dificuldade em largar. Clint Eastwood mostra a vingança de um velho, mas também a desgraça social em que vivem as mulheres diante de um Velho Oeste machista e opressor. Além disso, retorna a um gênero que o consagrou, homenageando o western com atuações impecáveis e fotografia fantástica. Gene Wilder como Little Bill é uma das melhores coisas da obra. Contando com um time de veteranos, Clint contou a história a sua maneira, lustrando e polindo cada detalhe, como se fosse seu brinquedo de porcelana, sisudo e consistente, porém de raridade tamanha que exige cuidados. Um filme sobre homens agindo sem etiqueta, deixando a razão de lado, para dar voz ao inaceitável, ao que não tange à lucidez, sempre evidenciando as causas e consequências de se agir com marra e sentado sobre uma mesa de boteco.
Repleto de diálogos reflexivos e tocantes, Os Imperdoáveis é parte da história dos EUA e do cinema, pois marcou os anos 90 de uma forma memorável, revigorando um filão encostado e empobrecido. Eastwood, atuando e dirigindo, deu vida a William Munny, habitante de uma pequena cidade, que resolve, ao lado de dois antigos amigos, sair em busca de dois homens que retalharam o rosto de uma prostituta. Como tudo no cenário poeirento é movido por recompensa, o trio poderia embolsar mil dólares se conseguisse concluir a missão. Essa tarefa é a sinopse do filme, que não se limita apenas a um plot recorrente, vai além. Mostra cicatrizes que ficam nas pessoas, as marcas do tempo e o olhar desgastado diante de um mundo injusto, onde um xerife abusa do poder como um rei absolutista. Esses pilares do western, nas mãos de Eastwood, se transformam numa história de amizade entre três homens. Ned Logan, Will Munny e Kid simbolizam o senso de justiça e materializam o sentimento de inquietude. Os bares e saloons, repletos de homens beberrões e ignorantes, contrastam com as pequenas casas de madeira e igrejas que constituem o cenário hollywoodiano, montado para ser fiel a uma época de ocupação na história estadunidense, onde muitos foram vislumbrar o futuro com a construção de minas de ouro em um local ainda inexplorado. O racismo e o preconceito foram os principais entraves para que o tão prometido sucesso para as pessoas fosse concretizado.
Esse apelo histórico e documental da obra, transformaram Unforgiven em uma película completa e abundante. Vencedor de quatro estatuetas do Oscar, o longa até hoje é reconhecido como a obra máxima do diretor Clint Eastwood, ao lado de outras pérolas como As Pontes de Madison e Cartas de Iwo Jima. A trilha sonora em Os Imperdoáveis é deliciosa. Ver os cavalos, filmados ao entardecer, sob uma música pacífica e revigorante, é uma deleite. Outro aspecto, narrado sem equívocos, é o familiar. Will Munny tinha uma esposa, porém a mesma morreu de repente, deixando os dois filhos para o marido criar e a criação de porcos para continuar sendo cuidada. O zelo para com o quesito construção de enredo, fez com que Eastwood contasse a história com o seu jeito sempre peculiar e subjetivo de apresentar os personagens.
Eastwood é ótimo ator. Ele não faz caras e bocas e, apesar da fotografia escura no filme, vemos seu rosto barbado marcado pelo tempo e pelas lutas por sobrevivência. Reciclado, ele sai em busca de reconhecimento que o coloque no trono de seu grupo social, o de atiradores que não escondem seu sangue frio.
Outra vertente admirável na obra é ver o quão a mulher é surrada no seio familiar, esfaqueada e agredida. A troca de acusações entre homens habitantes de Big Whiskey e as mulheres dos mesmos é algo de se questionar e de se fazer valer o discurso da diplomacia. Historicamente, isso foi visto e revisado nos livros de História como parte de uma cultura estabelecida de forma transitória na trajetória do povo da terra do fast-food. Essa polaridade entre sexos chega a ser nojenta.
No fim do filme, quando Munny entra no bar, já quase derrotado, ele diz que já matara tudo o que anda e rasteja. Ele impõe o medo até mesmo em Bill, sentado no fundo do estabelecimento. A sua fúria é concatenada com desejo de sangue. Ele atira e mata o seu algoz. Inimigo não somente dele, mas dos vaqueiros (os verdadeiros), mulheres e homens de bem.
Com interpretações invejáveis de Freeman e companhia, Os Imperdoáveis interpelou o espectador a respeito do que ele pensa desse período histórico, o retratado nos western. Mostrou companheirismo, amor, revide, amargura e iniquidade. Com as veias saltadas, percebi ao fim da película, a força dos homens ao longo da história da humanidade. E também a força do cinema de Eastwood, sólido e eterno. Pra quem gosta de western ou somente do cinema mais bem calibrado possível, Os Imperdoáveis é indispensável. Ávido com o dedo no gatilho, Clint Eastwood é um artista completo.
Clint fez ótima escola com Leone, sem esquecer de nenhuma lição ou tarefa de casa. Parabéns!
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