Trilha de Morricone, De Niro como Al Capone, cena que revisa o massacre nas escadarias de Odessa de O Encouraçado Potenkim, etc. - são muitos os motivos pelos quais Os Intocáveis é fortemente lembrado e reverenciado, além, claro, de marcar uma das passagens de um mestre pelo gênero de gângsteres; passagem essa repleta de marcas indeléveis, impressas em cenas, como de costume em sua filmografia, extasiantes, de puro prazer cinematográfico, tal como o plano-sequência em subjetiva que perdura parte dos minutos que marcam o destino final de Jim Malone. Além de tudo o que já foi dito e repetido, é pelo diálogo que se estabelece com a obra de outro grande cineasta que Os Intocáveis revela pequenas riquezas que o tornam ainda mais especial.
Quando Kevin Costner, Andy Garcia, Sean Connery e Charles Martin Smith saem juntos pela primeira vez para fazer uma batida em um dos grandes pontos de distribuição da máfia de Capone, difícil não lembrar de John Wayne, Dean Martin, Ricky Nelson e Walter Brennan no grande Onde Começa o Inferno: o protagonista que divide seu fardo com outros três indivíduos formando assim uma "célula", um "organismo-heróico" único e indissociável - apesar de Costner e Wayne sobressaírem-se dramaturgicamente, no que concerne às empreitadas sobre as quais as histórias em ambos os casos se desenvolvem, os quatro personagens funcionam tão somente juntos, e dentro desse grupo cria-se então laços de amizade que apenas a solidão de uma árdua jornada é capaz de fortalecer. Enquanto na obra-prima de Hawks, eles estão de fato sozinhos contra o bando de criminosos, em Os Intocáveis a soledade do grupo se dá, de primeira, devido ao descrédto público em que o protagonista cai depois de uma batida que não dá em nada, e posteriormente pelo rótulo (que dá nome ao título) que recebem após obterem sucessos na caçada.
Isso sem contar a influência corrupta de Al Capone sobre as esferas de poder da cidade, fator esse que marca definitivamente a polarização entre os executores e os transgressores da lei, o bem e o mal, - elemento caro ao classicismo, especialmente no gênero western, o que nos leva novamente a Rio Bravo - que não necessariamente escolhem a cor da farda: há policiais, políticos, juízes na folha de pagamento do chefão, e os Intocáveis precisam ir contra tudo e contra todos para destruir aquele que comanda tal descumprimento geral da lei - trata-se da ideologia do "homem de bem", do cidadão-modelo, personificado em Kevin Costner. Tal pureza de conduta pode ser vista também como transmigração do amor do Xerife Wayne à sua comunidade, aos seus protegidos, característica essa que fascinava e se tornou recorrente na filmografia de Hawks (outro exemplo, tão bonito quanto, é O Caminho da Glória, na relação quase paternal que se dá entre o comandante e seu batalhão); o respeito totalmente incorruptível de Eliot Ness à lei mostra-se então como sua forma de expressar o carinho que tem para seus concidadãos, a quem deve "servir e proteger" (as reapariações pontuais de crianças em perigo ao longo da trama releva esse aspecto protetor/paternal: da menina que morre no atentando nos primeiros minutos, passando pelos próprios filhos de Ness - um, inclusive, que nasce no meio da confusão -, chegando ao bebê na famosa cena do carrinho) - a polarização (herói/vilão), portanto, nunca esteve tão bem definida, e isso, longe de ser demérito neste caso, devido a todas as circunstâncias envolvidas, é ponto (saudosisticamente) engrandecedor.
Por encaminhar-se nessa perspectiva, Os Intocáveis vai contra a maré da maioria dos filmes de gângster, os quais acompanham tudo do ponto-de-vista dos criminosos - os anos 30, estouro do gênero, possui exemplares que já chegavam a humanizar a figura do fora-da-lei, através de obras-primas como Anjos de Cara Suja e Beco Sem Saída.
Ness suja as mãos em sua empreitada, sempre hesitando em fazê-lo e tendo em vista o "bem maior", seu objeitvo final, a captura de Al Capone. Entretanto, depois de todos os percalços, e finalmente tendo conseguido cumprir sua tarefa, o jornalista lhe diz que a Lei Seca estava para ser revogada, ela, sob cujo nome tantos esforços foram gastos e tanto sangue derramado. Eliott então responde que a primeira coisa que faria, caso realmente a revogação acontecesse, era tomar uma bebida - para ele, pouco importa a validade da lei, está ali para cumpri-la, quaisquer que sejam as reviravoltas que ela dê ao longo do tempo.
Lindo texto *_*