Os Sonhadores carrega consigo o selo de qualidade empregada pelo cineasta Bernardo Bertolucci, que ao longo de sua carreira dirigiu filmes carregados de simbolismo e uma explosão de paixão em relação a arte do cinema. Polêmico e criativo, suas obras ganham uma carga maior de apreensão ao público e aos críticos de cinema, quando são lançadas. Este exemplar de 2003 não foge a regra, e se mostra um bom entretenimento, orquestrada por um homem que parece conhecer profundamente a arte cinematográfica.
A história de Os Sonhadores gira em torno do trio Matthew, Isabelle e seu irmão Theo. Amantes de cinema, se conhecem em um movimento de cinéfilos, onde se cria um forte vínculo entre os mesmos, desenvolvendo aos poucos suas relações. O aprofundamento em seus personagens centrais é bem sucedido, mostrando suas facetas e revelando suas personalidades. O roteiro trata rapidamente de juntar o trio, onde em pouco mais de 10 minutos de filme, os três jovens parecem se conhecer a anos.
Mais do que qualque elemento, é o mistério e a surpresa que anda de mãos dadas com o roteiro. Passagens aparentemente sem sentido vão se fortalecendo ao longo que a projeção avança, revelando todos os segredos que cercam os gêmeos Theo e Isabelle. O ambiente é eficientemente construído pelo cineasta, que possui total controle de sua obra e personagens. Aliás, Bertolucci surpreende o público em vários momentos, com toques genuínos de criatividade, envolvimento e sensualidade.
Citações à grandes clássicos não faltam em Os Sonhadores. Inúmeras passagens são baseadas em cenas que tornaram-se famosas e ícones no mundo cinematográfico, dentre elas a corrida dos personagens dentro de um museu do cinema, instalado em Paris. Jean-Luc Godard frequentemente inseria citações cinematográficas em suas obras, homenageando outros diretores e atores, onde Bertolucci aproveita para prestar suas homenagens também.
Os Sonhadores pode ser dividido entre duas partes distintas: O que acontece dentro da casa dos gêmeos, e o que acontece externamente. Bertolucci consegue com bastante méritos separar os dois mundos. O trio vive em meio a um conto de fadas, por assim dizer, esquecendo completamente a realidade lá fora. O período é 1968, Henri Langlois, criador da Cinemateca em Paris é demitido, referente a uma suposta administração incompetente, de acordo com o governo que patrocinava o projeto. Pronto, se tem início o pano de fundo para o desenrolar da trama.
Tudo começou no dia 14 de Fevereiro de 1968 em Paris, quando um manisfesto estudantil tomou conta das ruas da cidade, no qual objetivo era protestar contra a demissão de Langlois. Vários cineastas de peso estavam presentes na manifestação, como François Truffaut, Claude Chabrol e Jean-Luc Godard, todos cineastas da considerada “Nova Onda”, que marcava um novo início criativo e cultural ao cinema francês. Porém este manifesto ganhou forças e contornos bem maiores, passando a ser um protesto nacional contra o regime político francês.
Bertolucci revive este tenso período francês e trás para as telonas servindo de pano de fundo para o desenvolvimento de sua trama. O que não fica muito claro, é a intenção do diretor em relação ao foco principal de sua história, se é o manifesto ou a descoberta e envolvimento sexual dos personagens. Ao longo que a projeção avança, surpresas constantes vão surgindo, surpreendendo o público por diversas vezes.
Theo e Isabelle possui um relacionamento estranho e nada comum. Mesmo que os personagens sejam praticamente adultos, a relação dos dois é bastante infantil e incomum, beirando um incesto. Ambos dormem pelados juntos, tomam banho, passeiam, fazem de tudo juntos, são inseparáveis. Até mesmo uma estranha brincadeira faz parte da relação dos irmãos, envolvendo perguntas de cinema, onde quem não acertar, terá que pagar prendas, e estas prendas são as mais improváveis possíveis.
Mathwes logo percebe toda a estranheza que cerca os irmãos, que mais para frente, é explicado que são gêmeos siameses, por isso tanta ligação. Mesmo embarcando de cabeça nesta confusa relação, o jovem percebe que não pode continuar vivendo assim, como se desligasse do um do exterior e não importasse com o improvável, onde tudo naquela casa poderia ser possível. A cena da banheira é o grande momento em que o personagem se dá conta da realidade e propoe uma separação entre os irmãos, que fazem tudo juntos.
Os Sonhadores é um filme super delicioso de acompanhar, com sua trama interessante, personagens enigmáticos e completamente imprevisíveis. Direção bastante segura de Bertolucci, a introdução de elementos eróticos, que o cineasta conhece tão bem, dá certo e funciona, mesmo que exageros existam aqui e ali. O filme não tem pate chata muito menos desinteressante, tudo que está no filme é necessário para seu desenvolvimento e um melhor entedimento do público.
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