Um dos melhores da sua quadrilogia, Pânico 4 só não supera o original.
Lembro-me, com muito carinho, de quando comecei a ver esta obra. O ano cinéfilo estava a correr lindamente, mas nem por isso deixei de esperar adorar aquele que seria o capítulo que encerraria uma das melhores e mais consistentes sagas do Cinema. Sim, do Cinema; não do Terror. Porque a maneira como Pânico mantém a qualidade ao longo dos seus filmes é exemplar para o Cinema em geral. Muito por mérito de Wes Craven e Kevin Williamson, deve dizer-se. Moving on, lembro-me de que vi a reta inicial do filme...e achei meio descabida! Quer dizer, adoro a maneira como Williamson joga com as expetativas e inventa sempre uma surpresa, mas por outro lado achei este início meio bobinho. Primeiro, por lembrar um pouco o exagero de A Origem, com aquilo do sonho-dentro-de-sonho-dentro-de-sonho. Segundo, porque tanta brincadeira acabou por ficar meio confusa. Ou seja, quando eu vi a primeira vez, parecia que o final de Stab 7 era aquilo: uma repetição da sua prequela Stab 6, mas com aquela cena extra no final. E em que planeta é que isso faz sentido? Quem veria um filme assim? Claro que, ao refletir em conjunto com depoimentos de internautas, percebi que o que vimos podia não ser o final, mas sim o início de Stab 7. Aí, já faz mais sentido. Mas apesar dos bons truques para surpreender, fiquei dividido entre achar o início engraçado e achar risível.
Seja como for, as cenas passam e Marnie Cooper e a amiga têm a honra (hehe!...) de inaugurar este novo serial killer com uma cena climática e surpreendentemente inesperada. É difícil compreender como é que Williamson consegue sempre desenvolver a cena de forma diferente daquela que o espetador tentou adivinhar! Mas seguindo, temos então as cenas de praxe, com mais tempo de ecrã para Sidney, Gale e Dewey. É sempre bom voltar a vê-los, sobretudo a heroína da quadrilogia. Mas, não vou mentir, não são cenas tão marcantes ou divertidas como as mais brilhantes do longa. Mesmo assim, ganha pontos por manter a fidelidade das personagens a si mesmas, mesmo depois de tantos anos, Sidney, apesar de crescida e mudada, é a Sidney. Já Gale e Dewey parecem agora ocupados com dramas de novela mexicana, o que é mais chato. Tudo vai construindo bem o ambiente para uma das melhores mortes da franquia.
Incrivelmente, mesmo depois de 3 filmes e de uma contagem de corpos de cerca de, sei lá, 30, Pânico 4 ainda tem ideias para trazer mortes que estão entre as melhores! De que falo? Da cena do armário, pois então! A sério, é genial! Quem tiver adivinhado o que ia acontecer que me desculpe, mas eu acho que ninguém adivinhava! Quem diria que toda a cena se concluiria através de um jogo de palavras que enganou toda a gente, desde Kirby até ao espetador? A frase "I never said I was in your closet!" já é clássica e o pior é que é verdade! O assassino não especificou o armário, mas todos caíram que nem patinhos! Brilhante! Para não falar do clima espetacular que tem toda a cena, começando com descontração, tentando despistar ao falar de Trevor, tentando aliviar fazendo Kirby trollar e depois instalando aquele ambiente de tensão, avançando lentamente para o armário, deixando saborear o suspense. Muito bem!
É difícil o resto do filme competir com uma cena assim, mas a verdade é que acerta em muito. A morte de Rebecca tem interesse, mas é meio sem-sal. Já o ataque na Stab-athon é divertidão pela forma simples mas eficaz como o assassino contorna a questão das câmaras. Aliás, as câmaras são um excelente recurso para este filme; permitem que vejamos o assassino de forma inesperada sem parecer forçada.É bom ver que Pânico 4 não parou no tempo. 11 anos passaram entre este filme e Pânico 3 e o roteiro não esconde isso. O mundo não está igual nem as mentalidades e o roteiro não tem medo de juntar os "velhotes" Sidney, Dewey e Gale com jovens de outra mentalidade. E por falar nisso, outra grande qualidade deste filme é o retrato muito interessante da sua geração. Não necessariamente preciso, mas perspicaz e com uma boa dose de humor. Pois é, este filme não é o Pânico dos anos 90; é o da sua geração! :)
Quanto à morte dos 2 polícias, é bacana e lembra novamente como Williamson é brilhante. É curioso constatar como o roteirista mantém o mistério com grupos de variados números. Porque. se virmos, Pânico começa sempre com um grupo Agatha Christie (leia-se: muito mais suspeitos que assassinatos) e acaba com o máximo de 5 suspeitos. E Williamson mantém a história cheia de fôlego com os 2 tipos de grupo! E depois há os curiosos "grupos de 2". Como os 2 polícias. Numa boa jogada, Williamson faz um deles abandonar o carro, deixando-nos num emocionante jogo para adivinhar qual deles vai ser atacado. Porque, reparem, temos a pessoa que fica sozinha no carro e a pessoa que vai sozinha para um lugar com árvores - duas vítimas típicas de assassinos no cinema de terror! Tudo o que vemos - e o que não vemos - dá a entender que algum daqueles polícias não vai durar muito. Mal comparado, este pormenor lembra um pouco aqueles reality shows americanos que, não se sabe bem como, mantêm um bom nível de suspense quando vão dizer qual das 2 pessoas ganhou. É que são só 2 candidatos e, mesmo assim, há dúvida que chegue! Impressionante.
Considerando o parágrafo anterior, não deixa de ser curioso constatar que a melhor parte do filme (o serão em casa de Kirby) tenha um grupo intermédio: um grupo de 5 suspeitos. 5 é um número muito bom nos "policiais", pois é grande o suficiente para nos fazer hesitar na nossa aposta e pequeno o suficiente para sabermos bem quem é cada personagem. Assim, já desconfiamos que, a partir do serão, o assassino só pode ser Charlie, Jill, Kirby, Robbie ou Trevor. E mesmo com apenas 5 suspeitos, Williamson não dá tréguas e continua o seu insano blefe, eliminando um suspeito de cada vez, fazendo-nos pensar que não pode ser nenhum deles! Afinal, Jill é atacada, Robbie é assassinado, Kirby é ameaçada, Charlie é atacado...que loucura! E Trevor "apenas" desaparece, parecendo o único suspeito restante. Porque, da nossa perspectiva, quem mais pode ser? Gale e Dewey? Nem pensar! Sidney? Até podia, mas apesar de ser uma boa sacada, não gostaríamos disso. Curiosamente, eu não desconfiava muito de nenhum destes; pensava que o Ghostface era Hicks, a polícia ajudante de Dewey. Depois de o filme nos dar a entender que essa polícia era profissional e que Gale estava uma chata, achei que seria bem jogado demonizar a polícia no final - surpresa, ela é má!
Bem...antes de prosseguir é preciso um pouco de contexto. É o seguinte: quando eu me lancei na aventura de ver o último filme desta franquia da qual sou fã de carteirinha, estava convencido que Jill era a assassina. Porquê? Um dia estava sossegadinho a ler um artigo sobre filmes de terror e dou com uma parte que fala de Pânico. Não tive problemas em ler, pois pensei que só falava do primeiro filme. Porém, não falava só disso...e a certa altura falou sem problemas na culpa de Jill! Parei de ler e tentei esquecer-me que tinha lido Jill, mas não consegui. Felizmente, não tive dificuldades em apreciar Pânico 4, até porque a fabulosa cena do armário mostrou claramente que Jill não matou Olivia. Pensei que era uma falsa memória; afinal, eu não tinha lido Jill. Que bom, não é? Mais ainda, o artigo até me ajudou a apreciar Pânico 4. Deixou no meu subconsciente a convicção de que o assassino de Pânico 4 era só um. Daí a minha grande surpresa quando descobri que eram 2.
Mas ainda antes de falar dos assassinos, queria comentar outra grande cena: a morte de Robbie. Essa cena tem 2 pormenores que lhe dão destaque: a câmara virada ao contrário e a personalidade de Robbie. Embora eu só me tenha apercebido no segundo visionamento do filme, Robbie é uma das minhas personagens favoritas dele. Por várias razões. 1. Ele é o expoente máximo da divertida representação da geração década 2010, com uma página online para onde ele transmite ao vivo. 2. Ele é fã de filmes de terror, como eu. 3. Ele é o melhor sucessor de Randy Meeks em toda a franquia! É verdade; embora Randy seja insubstituível, não consigo deixar de sentir que Robbie é um Randy da geração 2010. Ou seja...se Randy tivesse nascido mais tarde, teria sido alguém muito parecido com Robbie! Os dois têm o lado geek, o aspeto desengonçado e um certo fascínio pelos media. E, mesmo que assim não fosse, devo dizer que Robbie foi para mim o que Randy foi em Pânico: uma personagem carismática que é uma espécie de alívio cómico. Viva Robbie!
Quanto ao detalhe da câmara virada ao contrário, é um golpe de génio. É como se a tensão duplicasse, pois agora podemos ver o assassino a aproximar-se de vários lados. Além disso, o desfecho da cena é inteligente, porque combate aquela sensação que alguns têm e outros passam de que sabemos o que vai acontecer. Ao ver a câmara ao contrário, o espetador comum pode bem pensar que a) o assassino vai aparecer por trás ou b) o assassino vem pela frente, sendo a câmara invertida uma pista falsa! Mas sabem que mais? Nem uma coisa nem outra! Williamson volta a enganar-nos e, surpresa!, o assassino só aparece depois de a câmara voltar ao lugar! Grande jogada! Que cena bacana!
Posto isto, voltemos aos assassinos. Pessoalmente, gostei bastante das escolhas. A comunidade internauta parece não ter gostado de ver Charlie como assassino e alguns dizem que isso é por Rory Culkin não encaixar bem nesse papel. Mas eu cá gostei; senti praticamente o mesmo que senti naquele romance em que Agatha Christie espantou muitos ao escolher como assassino a personagem que não tinha a inteligência nem a coragem para matar - ou, pelo menos, parecia que não tinha! E assim foi; para mim, Charlie parecia mais a pobre vítima que causaria dó ao espetador quando morresse numa cena com alguma piada. Afinal, quem teve "essa" morte foi Robbie. Anyway...mesmo que assim não fosse, a revelação de Charlie seria sempre uma cena bombástica. A sério, a inesperada facada na barriga de Kirby mais parece uma bomba a explodir na mente do espetador! Céus, como é que pode ser? Charlie, que acabou de ser vítima do assassino, é o assassino? Epic mindblown! E a forma como nos revelam isso?! Pois é, ninguém esperava uma revelação que não incluísse o assassino a tirar a máscara! Os seguidores da franquia já não viam nada assim desde que Billy alvejou Randy! E mesmo aí o crime não é tão chocante, pois Billy podia ter agido em auto defesa, por pensar que Randy era o assassino; foi o que eu pensei quando ele disparou. Só quando a câmara se aproximou lentamente de Sidney é que percebi que Billy era culpado. E por estas razões me atrevo a dizer que a facada em Kirby é mais chocante que o tiro em Randy! Quer dizer, quem esperaria que Kirby fosse atacada sem o assassino estar mascarado? Como adivinharia alguém que Charlie tinha uma faca escondida debaixo da perna? Que cena espetacular!
E eu ainda nem falei de Jill! Sagazmente ilibada através da morte de Olivia, esta personagem que o roteiro tenta fazer passar por donzela em apuros (com aquele diálogo tipo "Oh, Sidney, como é que aguentas esta perseguição, és tão valente, eu sou frágil demais para isto!") tornou-se um dos meus assassinos favoritos da saga. Tudo graças aos seus motivos e loucura total. O motivo não-quero-amigos-quero-fãs é um acerto em cheio na paródia que este filme faz da geração 2010! Uma crítica subtil que, mesmo extremista, é credível e perspicaz. E se alguém acha que este motivo não é credível, lembre-se: não só houve pessoas que morreram a jogar um jogo viciante como houve já notícias de assassinos a publicar os seus crimes na Internet. "Ai, ó Paulo, mas isso são casos extremos!". Pois são, mas Jill também é! Serve perfeitamente. Para não falar de toda a preparação de Jill para parecer que foi a vítima desta história. É aí que se percebe o quanto a moça é mesmo cuckoo! Quer dizer, eu não duvidei da dedicação dela, mas ainda assim vê-la a dar uma facada a si própria é impressionante! E mal eu pensava isto, não é que ela se atira com tudo para a mesa?! Fogo, que loucura! A dedicação de Jill ao partir-se toda não deixa dúvidas: ela é completamente biruta! Uma assassina perigosa por a sua insanidade quase não conhecer limites! Assim é: toda esta cena que culmina na insana e também hilariante parte da mesa partida fez de Jill a minha segunda assassina favorita da franquia - vá lá, confessem, vocês também têm um top 7 assassinos de Pânico no vosso perfil! Não? - superada apenas por Stu. E isto é que é o espírito de Pânico: terror cheio de humor!
Agora, para ser franco, antes destas cenas, Jill não tinha sido assim tão carismática. Disfarçada de vítima inocente, sim, mas não particularmente carismática. Vendo bem, se queriam fazer a jogada de a menina boneca ser a vilã, podiam ter escolhido Kirby e a diferença não seria muita. Mas Williamson escolheu Jill e, mais importante ainda, deu-lhe as cenas pós-revelação, que são tão bacanas que foi Jill quem abalou o meu top 7. E também me refiro às cenas do hospital. Embora meio fantasiosas, engrandecem ainda mais a vilania de Jill. Não só ela agora parece um verdadeiro lobo em pele de cordeiro (Emma Roberts é realmente bonita), mas também se afirma como um dos vilões mais perigosos da franquia. Senão vejamos: a cena chega a um ponto em que Jill domina 4 pessoas! 4 malditas pessoas! E duas são polícias! Vê-se logo que Jill é uma vilã em todos os sentidos; não brinca em serviço. Mas enfim; a boa e velha Sidney lembra-nos porque sobreviveu a 4 filmes e dá cabo dela. Tão satisfatório!
O que se conclui é que Pânico 4 fecha com chave de ouro a quadrilogia por ter quase tanta qualidade quanto o original. É incrível como, mesmo depois de tanto sangue derramado, Williamson ainda tem imaginação para criar 2 ou 3 das melhores mortes da franquia, para não falar das personagens. Posso estar enganado, mas desconfio que Williamson daria um excelente jogador de poker, pois ninguém faz blefe como ele! Aposto que engana toda a gente com as suas pistas falsas, linguagem corporal e afins. Pelo menos nos roteiros, ele é perito em esconder o seu jogo e mais ainda, a dar a entender que tem cartas que não tem! Imagino Williamson numa "atuação" incessante contra os melhores jogadores de poker de Hollywood, a manipular tanto as expetativas deles que, mesmo que no final não ganhe, mostre o jogo e deixe os outros de boca aberta e a pensar: "Seu vigarista de todo o tamanho!". Porque ele é brilhante nisso mesmo: a esconder o seu jogo e fazer pensar que tem um jogo que não tem!
Note-se que tudo isto são elogios. Merecidos, certamente, mas Pânico 4 não fica isento de alguns problemas. Em verdade vos digo que o filme não é assim tão divertido quanto isso até ao serão em casa de Kirby, e as personagens Trevor e Hicks são meio desperdiçadas. É, eu sei que Pânico 4 não é perfeito. Eu sei que o filme tem problemas, defeitos, imperfeições...mas quem não tem? É só que eu prefiro os problemas dele. Amo as imperfeições dele. As imperfeições dele são simplesmente grandiosas!.
Haha, sim, estou a adaptar o discurso de Wendy em Bonecas Russas. Perdoem, não foi premeditado. Mas quando estava a pensar em como Pânico 4 não é perfeito, lembrei-me dessa bela cena. E achei que encaixava...
Um parênteses - Wes Craven partiu deste mundo há cerca de um ano. Quando (e se) este comentário for aprovado pelos editores, deverá estar perto de fazer um ano que isso aconteceu e eu deverei estar quase sem acesso à Internet. Assim, não vou poder enviar o comentário no dia 30 de agosto...mas espero que o meu modesto comentário ajude a sinalizar essa efeméride (giro, giro, seria se ele fosse publicado justamente no dia 30, hehe!). Posso dizer-vos que, algumas vezes este ano, já me lembrei dele e de como me doeu a perda deste grande diretor de um género tão mal amado por muitos. Continuo a sentir falta. E, não haja dúvida,o cinema de terror ficou irremediavelmente mais pobre com esta perda. Poderão aparecer novos mestres do terror, mas creio que mesmo que alguns façam mais obras-primas do terror do que todas as que se fizeram até hoje, Craven não perderá o seu lugar entre os mestres do terror. Mesmo que a lista dos mestres aumente muito.
Muitos elogios se podem fazer a Pânico 4. Muitos elogios. Mas o maior e mais honroso de todos é, não tenho a menor dúvida, este: Pânico 4 é o Pânico da década de 2010!
Tenho dito.
EDIT (29-08-2016): Umas semanas depois de publicar este meu comentário, apercebi-me de que cometi erros grosseiros ao escrevê-lo. Espero que isso não dê a entender que não vi o filme; pelo contrário, já o vi inteiro pelo menos 3 vezes. E cada vez gosto mais dele! Mas, de facto, as falsas memórias levaram-me a confundir a casa de Jill com a de Kirby e a lembrar-me de uma cena que não foi bem assim. Peço desculpa. Mas lembremo-nos que já aprendemos, com a doença de Alzheimer, que não somos nós que controlamos a nossa memória. Só temos memória enquanto o nosso corpo o permitir. Assustador, não é? Pois, mas o universo é cruel. Infelizmente...seja como for, espero que o mestre Craven perdoe estes erros grosseiros.
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