UM VERDADEIRO RETRATO DO (BOM) CINEMA MARGINAL
Todo artista no ramo do cinema, seja ele ator ou diretor, tem aquele trabalho no currículo que marca negativamente sua carreira para sempre como uma mancha negra que, por mais que se tente limpá-la, permanece associada ao nome dos envolvidos. Muitas vezes para sempre. Geralmente são trabalhos de baixa qualidade, como o terrível Batman Eternamente (Batman Forever, 1995) de Joel Schumacher. Pode ser como o controverso A Dama Na Água (Lady in the Water, 2006) de M. Night Shyamalan, que não passou de um alimento para seu ego. Pode ser uma obra mal idealizada, como o remake de O Planeta dos Macacos (Planet of the Apes, 2001) de Tim Burton, ou mesmo mal interpretada como o corajoso Eles Vivem (They Live, 1988) de John Carpernter. Pode ser ainda, uma obra detratada em sua época, mas que adquire força com o passar do tempo, como o cult-clássico O Enigma do Outro Mundo (The Thing, 1982) do próprio Carpenter. Para o azar (ou sorte) do grande William Friedkin (O Exorcista; Operação França) seu filme maldito acabou sendo um grande filme. Parceiros da Noite (Cruising, 1980), baseado no romance de Gerald Walker, quase enterrou as carreiras de Al Pacino e William Friedkin, por tratar de forma crua um assunto polêmico: o mundo gay sado-masoquista.
Al Pacino – em grande forma e perfeito no papel – interpreta Steve Burns, um jovem policial aspirante a detetive que, por assemelhar-se fisicamente com suas vítimas, recebe a árdua missão de investigar um serial killer de homossexuais. Completamente imerso em um universo de prazeres carnais e diversões perversas pela noite novaiorquina, Burns sente os reflexos de sua investida em sua vida pessoal e em seu trabalho, afetando seu íntimo, seu humor e seu discernimento. E neste aspecto, Parceiros da Noite remete a, Serpico (idem, 1973), outro grande filme estrelado por Pacino sob o comando de outro mestre, Sidney Lumet.
Como em toda obra de Friedkin (principalmente em seus melhores filmes), a atmosfera pesada, sombria e marginal, desprovida de esperança ou amenidades sobrecarrega o filme, tornando-o uma experiência exaustiva, melancólica e mórbida. Friedkin expõe o mundo de luxúrias sado-masoquistas dos clubes gays do final da década de 70 sem o menor pudor. Sem romantizá-lo ou banalizá-lo. De um modo cru. Quase visceral. Um festival de corpos masculinos entregues aos prazeres mais secretos de sua intimidade. A ansiedade por parte da polícia em apanhar o assassino e de Burns em abandonar o cenário que agora faz parte de seu mundo são tão grandes, que interferem diretamente em suas decisões e quase põe tudo o trabalho de ambos em cheque, muito também graças à pressão das autoridades para a resolução do caso.
A década de 70, com certeza, foi a melhor para o cinema. John Badham, Francis Ford Coppola, Martin Scorcese, Sidney Lumet, Federico Fellini, Woody Allen, Stanley Kubrick, Roman Polanski, Brian De Palma e o magistral Ingmar Bergman, assim como outros tantos grandes diretores nos brindaram com os maiores exemplares de um cinema inteligente e audacioso, sem rédeas nem medo. Um cinema de qualidade até hoje não aquiparada.. Um cinema de grandes clássicos e outras obras igualmente importantes, mas nem tanto conhecidas. E com certeza William Friedkin está incluso no panteão destes nomes consagrados. O cinema marginal sempre despertou tanto o interesse quanto a repulsa por parte do público e da crítica.
Parceiros Da Noite tornou-se o filme maldito na carreira de Friedkin e Pacino por ter sido rechaçado pela comunidade homossexual da época, que sentiu-se ofendida com o filme. Mas esse é o cinema de Friedkin. Agressivo e agressor. Que não romantiza nem banaliza. Ousado e marginal. Transgressor, viaja ao inferno por caminhos tortuosos e acaba por nos levar consigo, tomando de nós nossa esperança de que algo bom nos espera ao final daquele obscuro e estreito túnel pelo qual ele nos conduz ao, em sua visão, contar uma história que quase sempre termina na desconstrução, seja do personagem, do mito ou da crença. Questiono-me se o filme teria causado tanto alvoroço se lidasse com o mesmo tema no mundo hétero. Mas é impressionante que hoje, quase 35 anos após seu lançamento, o filme ainda seja visto com maus olhos. E pior, tenho certeza que seria infilmável nesta época hipócrita de falso moralismo em que vivemos.
A mensagem que a filmografia de Friedkin nos passa, principalmente neste filme, é a seguinte: “Não me ame, nem me odeie. Apenas me contemple e me admire.”
Realmente Cristian, depois de ter vencido o Oscar de Melhor Diretor, Friedkin tinha carta branca pra filmar qualquer coisa e filmou outro filme não menos maldito e não menos fantastico "Comboio do Medo", que dizem deu um trabalho danado pra filmar e também foi totalmente incompreendido. E "Parceiros da Noite" também sofre do mesmo mal... Talvez um filme lançado na época errada, ou talvez nunca devesse nem ter sido feito... Infelizmente, o nome Friedkin nunca recuperou o prestigio de outrora, mas permance forte até hoje... Ótimo texto mais uma vez caro Cristian...
Friedkin é do tipo de profissional/artista (em qualquer área) que eu gosto: ele pensa na arte, no trabalho. Que se danem as cifras, o reconhecimento ou os prêmios. Diretor macho raridade hoje em dia. Valeu Lucas!!!
Meu diretor favorito!
Um dos meus favoritos também, Taumata!