Quanto se joga uma moeda para cima, qual a probabilidade de cair o lado que você apostou? Logicamente a resposta é 50% de chances, uma vez que só há apenas dois rumos que o resultado deste movimento poderá tomar. Chris Wilton fez essa aposta, mas neste caso o resultado não é o que mais importa, mas sim a ação da sorte sobre aquela investida. Woody Allen constrói um suspense forte, carregado, que analisa a função da sorte sobre o destino das pessoas; mais uma vez, o cineasta se inspira na obra literária de Dostoiévski para alimentar sua trama, e não para menos Ponto Final - Match Point (Match Point, 2005) se torna um de seus filmes mais privilegiados e aclamados por público e crítica.
Allen faz de Chris Wilton, personagem protagonista da trama, um predador que une todos os personagens a seu redor numa teia interminável de mentiras e traições, utilizando sempre a sorte como ponteiro norte, que lhe guiará por cada decisão que tomar. O filme coloca-nos sobre unicamente sobre o prisma de Wilton, onde cabe apenas ao público averiguar todos os eventos e estabelecer um veredito quanto às atitudes do rapaz. Woody Allen lava as mãos quanto a isso, o diretor apenas promove as situações e deixa as reflexões por conta de cada qual dos espectadores. Afinal, será que muitos de nós não almejamos e possuímos as mesmas ambições que ele? E, mesmo que não efetuemos algumas atitudes, já pensamos em fazer o mesmo, não? Estes são os questionamentos que pairam sobre o ar ao término do filme, de modo que o filme de Allen não está ali para pregar culpados e indenizar vítimas, ele apenas mostra a vida como uma selva, onde ou você caçador ou é a presa.
Match Point narra a trajetória de vida do tenista profissional Chris Wilton (Jonathan Rhys Meyers), que abandonou a carreira para realizar seu sonho de morar na capital inglesa, onde passa a viver num pequeno apartamento que ampara com o salário de instrutor de tênis num clube. Ao se tornar amigo de um de seus alunos, Wilton passa a freqüentar a casa do rapaz e a participar dos eventos promovidos pela rica e influente família deste. É então que Chris desperta a paixão da irmã de seu amigo, uma ingênua e simpática moça com quem passa a nutrir um relacionamento, mas quando conhece a noiva (Scarlett Johansson) de seu amigo, e agora cunhado, o rapaz passa a ficar obcecado por aquela mulher, e com isso, a estabilidade de seu relacionamento com àquela família estará ameaçado.
É notória a habilidade de Allen na transição de gêneros, pois, pouco se previa de um diretor que alcançou grandes projeções no cinema graças à comédia, poder ter um suspense dramático como um dos filmes mais importantes de sua filmografia. Match Point certamente é um êxito na carreira de Allen, pois esta é a prova dos nove de sua versatilidade dentro de seu próprio cinema, com a construção de um thriller sólido, profundo, abordado da maneira mais humana e realista possível. Pela segunda vez em suas realizações, Allen visita o considerado romance Crime e Castigo, de Dostoiévski, para embasar sua trama, a primeira foi em 1989 com Crimes e Pecados ([Crimes and Misdemeanors, 1989] a semelhança os títulos não é mera coincidência), porém com Match Point ele abandona qualquer resquício de comicidade que pudesse haver em sua primeira incursão no suspense e conclui algo mais carregado, pesado e, conseqüentemente, mais denso.
Match Point estabelece um grande e proposital afastamento do melodrama, ou de qualquer maior conexão emocional com o público. As únicas sensações que se passam na mente do espectador são, acima de tudo, o desprezo e a indignação pela atitude de seus personagens. Mas não deixa de ser falho que Match Point se coloque nesse posicionamento frio para com a platéia, de uma maneira que chega a ser robótico o modo como a narrativa se desenvolve. Sempre estática. Sempre fria.
Porém, esse mal não é o bastante para danificar a qualidade da obra, pois, novamente, Woody Allen concebe um roteiro fascinante, dotado com os lampejos de genialidade habituais, presentes em boa parte dos textos de sua carreira, fazendo juz ao Oscar de Melhor Roteiro Original a qual fora indicado. O diretor apresenta aqui um contraste entre os sortudos e azarados, em como o destino pode ser cruel com uns e glorioso com outros; afinal essa é a oposição presente no dia a dia de todos nós, não? Pois quem nunca se abraçou a uma esperança de que algo dê certo? O conceito de sorte é algo extremamente abstrato, mas que de todo o modo, todos utilizamos para designar alguma “boa maré” que possa chegar a nossa vida. A criação desse combate entre a sorte e o azar, bem como a maneira com que essa oposição é ilustrada na trama, é certamente o diferencial que torna o filme Woody Allen algo tão realista e reflexivo.
Match Point é faz também um passeio pela escola literário do realismo, expondo em sua trama elementos que caracterizam esse movimento, tal como a veracidade das situações, o materialismo do amor e a cronologia contemporânea. Essa similaridade pode ser explicada pela admiração que o diretor possui por obras realistas, dessa forma, o que temos aqui é o “A arte imita a vida”, por Woody Allen, que com este Match Point imprime sua observação pessimista e negativa sobre o comportamento humano em relação aos seus desejos e ambições mais pessoais, estabelecendo assim um filme que muito mais que projetar uma história em tela, apresenta um destrutivo espelho da ganância presente em cada um de nós.
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