MAIS PARA O FUNDO DO POÇO DO QUE PARA O FIM DO MUNDO
Tudo bem que Alex Proyas nunca foi lá um cineasta brilhante ou mesmo acima da média. De filmografia curta e bastante irregular, o diretor egípcio não emplacou nenhum grande sucesso nem realizou um só filme que permeasse nos debates entre cinéfilos por mais de cinco minutos. Mesmo com a relativa boa recepção de Eu, Robô (ato falho na adaptação de filme e título) e o certo status de O Corvo no circuito cult, Proyas acumula erros sob erros a cada nova empreitada. Pois bem. Em 2009 caí em suas mãos um projeto interessantíssimo que poderia destravar de vez sua condição inerte em Hollywood. O nome deste projeto: Knowing. Outro que poderia lucrar – em todos os sentidos possíveis da expressão – com tal projeto era seu protagonista, Nicolas Cage. Vivendo um período negro em sua carreira, estrelando bombas e mais bombas ano após ano e de vacas magras com relação a seu patrimônio, Cage recebia a oportunidade que tanto esperava para reerguer seu nome e seu status. Com uma premissa interessantíssima em mãos, tudo parecia muito bem encaminhado para a reafirmação (ou apenas afirmação, no caso de Proyas) de ambos no cinema. Parecia....
Presságio (Knowing, 2009) deveria ser um manual intitulado ‘’Como Desperdiçar Todo o Potencial de Seu Filme’’, pois é uma das maiores sucessões de erros que eu já vi. Desde a primeira tomada, Proyas nos deixa claro que não encontra outro meio para conduzir sua estória e solucionar seus problemas que não sejam clichês e lugares comuns. De fato, Presságio se faz um filme saturado desde sua fórmula completamente esquemática até seu frustrado flerte com a engenhosidade. Mas como eu disse antes, a premissa do filme é muito interessante: em 1959, uma escola primária promove uma gincana entre seus alunos. Estes deveriam desenhar como imaginavam o futuro e colocar tais desenhos em um recipiente e trancado sob o concreto do pátio da tal escola para ser desenterrado e aberto 50 anos depois. Uma destas alunas, Lucinda, escreve uma sequência de números ao invés de elaborar um desenho. Em 2009, o professor de astronomia John (Cage) e seu filho Caleb – que estuda nesta mesma escola – estão presentes no festival de abertura da tal ‘’cápsula do tempo’’ e Caleb acaba por ficar de posse do trabalho de Lucinda. John acaba descobrindo que esta estranha sequência de números aparentemente sem lógica alguma trata-se da descrição detalhada de todas as catástrofes ocorridas nos últimos 50 anos, contendo a data, número de vítimas e as coordenadas exatas do local de tal acontecimento. Mesmo perturbado com tal descoberta, John tenta impedir estas tragédias até que se depara com a última e maior de todas: o fim do mundo!
A pequena sinopse acima atrairia qualquer diretor e ator para o projeto, pois filmes catástrofes são ovacionados nos EUA, mesmo produções terríveis como 2012 e Impacto Profundo. O problema é que filmes deste gênero se levam muito a sério. No caso de Presságio é ainda pior. Além de se levar a sério até o último suspiro, a megalomania do filme não tem limites e tenta nos impor não só sua suposta grandiosidade cinematográfica, mas também científica, filosófica e até religiosa (já comento mais sobre isso). Sendo assim, Presságio não só é um filme muito ruim, mas também é uma das produções mais arrogantes e dogmáticas que já vi, pois além de zombar da inteligência e das crenças (sejam elas quais forem) dos espectadores, ele manda o seguinte recado a quem o assiste: ‘’o que eu digo é verdade e ponto’’. E é aí que Proyas não consegue mais amarras as pontas da trama e acaba sucumbindo a ela.
Por hora, vamos esquecer um pouco Proyas para falar do filme em si. O primeiro erro de Presságio já se dá em sua cena inicial onde acompanhamos a tal Lucinda na escola escrevendo a tão misteriosa sequência de números. A trilha alta, as vozes sussurrando coisas aleatórias e a fotografia tremida e esquizofrênica (ao melhor estilo Silent Hill) mostrando a incapacidade do filme e de seu diretor em imporem alguma tensão, por menor que fosse, à trama. O pior é que esta trinca (trilha alta, sussurros e fotografia de Play Station 1) se repete até o final se dó nem piedade do espectador. A sonoplastia do filme é terrível. Note, por exemplo, que toda vez que John arranca ou freia seu carro, ouvimos o cantar dos pneus, mesmo em baixa velocidade e solo arenoso!!!! A trilha não chega a ser desastrosa, mas é insuficiente e simétrica demais. Não percebemos diferença entre os temas e chega a ser previsível quando a trilha atingirá o volume máximo, na tentativa de causar suspense ou mesmo algum sustinho que seja, sem sucesso algum. O responsável pela trilha é Marco Beltrami, que está longe de ser um gênio do gênero, mas possui em seu currículo trabalhos premiados como Os Indomáveis e Guerra ao Terror, mas vem associando seu nome a produções falidas como este Presságio e o remake de O Enigma do Outro Mundo. Esse pessoal que faz tudo por dinheiro...
O elenco é fraquíssimo. Cage, apático como sempre, não é o pior da turma desta vez, mas sempre – ou ainda – espero algo melhor dele. O elenco de apoio é de um nível que beira o miserável e seu trabalho é constrangedor (o que é aquela cena de Daiane gritando por Abby no posto de gasolina?). E pra completar o desastre, o roteiro não ajuda em nada. Não há soluções, sejam elas visuais ou verbais, inteligentes ou aceitáveis. O modo como John descobre o significado dos números é de uma falta de criatividade sem tamanho (quer mais previsibilidade do que maracar o 11 de Setembro de 2001?). Assim como algumas ações por parte de seus personagens (que mudam de personalidade a cada minuto) que são difíceis de engolir. Não fica claro, por exemplo, por que raios Caleb começa a rabiscar uma sequência de números como Lucinda fez. E mesmo que houvesse uma explicação para tal, ela não faria sentido, pois o mundo acabaria em 24h!!! Que desastre ele estaria prevendo? Seria a filmagem deste filme? Daiane, filha de Lucinda, também dá um show de incoerência. Passa o primeiro e o segundo ato inteiros batendo o pé que sua mãe era louca e tudo mais, pra na primeira cena do terceiro aparecer na porta da casa de John dizendo ‘’eu sempre soube que ela estava certa, mas neguei até agora’’!!!! O que é isso, minha gente? Tudo tem limites!! Nem vou falar da porta onde Lucinda terminou de escrever os números que não foi trocada mesmo após 50 anos, Caleb que ora desafia o pai, ora obedece. John que passa de cético à crente em questão de minutos. Ora Phill diz que tudo é paranóia de John e na cena seguinte está teorizando junto com ele tal profecia. A incapacidade de todos os centros de pesquisa e autoridades do mundo inteiro em prever uma erupção solar capaz de queimar o planeta inteiro. Ninguém morrer de calor antes da rajada de fogo, etc...
Creio que se o filme optasse por não explicar de onde vieram as mensagens para Lucinda, e nem como o fim do mundo aconteceria, o resultado seria bem mais satisfatório. Aqueles ET’s chatos pra caramba, que mais parecem anjos albinos do filme Cidade dos Anjos, andando em grupos e em câmera lenta, comunicando-se por telepatia e convocando os escolhidos para escapar do dilúvio de fogo em sua arca de Noé espacial não me pareceram a saída mais inteligente. Sem falar que depois de todo o ‘’mistério’’ em torno deles, eles fugirem de carro com Abby e Caleb é de rolar no chão de rir. E juro que, na terceira vez em que Abby disse ‘’seres sussurrantes’’ eu pensei em me matar. Sério, que criança fala isso?
Antes de comentar o tópico citei lá no terceiro parágrafo, sobre a megalomania e arrogância do filme, duas outras passagens merecem destaque – negativo, é claro – e elas se dão em seqüência. Primeiro, a despedida de John e Caleb. Atuação ridícula, trilha xarope, emoção zero e moral de cueca fazem desta uma das cenas mais constrangedoras da carreira de Cage e do cinema atual. Mas tudo pode ficar e fica ainda pior. Em seguida, acompanhamos Caleb e Abby, vestidos de branco, saltitando felizes da vida – mesmo após a morte de seus pais – pelo jardim do Éden como os novos Adão e Eva, pra encerrar o filme da pior maneira possível.
Eis que chegou a hora de comentar o pior de todos os defeitos do filme. Não sou uma pessoa religiosa, mas não condeno quem use a arte – ou qualquer outro meio – para fazer campanha e divulgar sua ideologia, doutrina, crença ou o raio que o parta. Mas o roteiro de Presságio é o que há de pior para abordar o tema. Essa estória de Deus seletivo que só salva os escolhidos que ouviram o chamado, usando os alienígenas como uma descarada alusão aos anjos, me enjoa e dá nos nervos. O filme tenta não só mostrar, mas impor, que sua visão/versão é a correta. John e Abby não ouviram o tal chamado por seu ceticismo e por serem pecadores (note que os três personagens do filme que ouvem tal chamado são crianças ainda na idade considerada a da inocência) e por isso não podem ir para o paraíso junto com Abby e Caleb, mesmo que John tenha tentado de todas as maneiras possíveis impedir todas as catástrofes e salvar vidas . Redenção pra que, né?
Na tentativa de agradar a todos os públicos, Presságio transita pelo suspense, pela aventura, pelo thriller, pela ficção, pelos filmes catástrofes, terrorismo, religiosidade, drama e até esboça uma tentativa de quebra-cabeça engenhoso de dar pena, sem conseguir sucesso em nenhum deles. Aí você olha a nota e pensa: ‘’mas o que salvou então este filme de levar um zero bem redondo e lindo?’’. A resposta é simples: duas cenas e só. A cena do descarrilamento do metrô, mesmo que não seja lá muito bem feita (o contraste do CGI é bem visível), é empolgante. E a que fez valer o filme (mas não o ingresso) é o plano sequência na cena da queda do avião, com Cage socorrendo as vítimas do desastre. Cena muito bem feita e filmada, além de ser a mais forte do filme.
Presságio é isto: uma sucessão de erros básicos na cartilha de qualquer diretor iniciante, mas com um sentimento de grandeza e seriedade ridículos e uma soberba inadmissível. Bem que Hollywood poderia ter previsto isso, pois já estava profetizado...
Ainda fico pensando Cristian, a capacidade que você tem de escrever textos bons para filmes medíocres...
Pô, Lucas, valeu...
Eu me lembro que fiquei empolgado na época com o filme e hoje dou muita risada com ele.