Este filme de Shane Carruth sobre viagens no tempo tem sido elogiado como uma obra-prima moderna do sci-fi e com razão. Primer (idem, 2004), que foi produzido com apenas US$ 7000, chegou em um momento no qual filmes de ficção científica tinha abandonado grandes idéias para altos orçamentos e efeitos especiais: sua intenção era estimular nossos sentidos, mas não nossa mente. Primer foi acusado de talvez ir longe demais na direção oposta com uma trama que se dobra sobre si mesmo tantas vezes que até o final do filme, e mesmo depois de muitas revisões, permanecem incertas as muitas permutações dos personagens e eventos que nós vimos. Não vou fingir que entendo exatamente o que acontece no filme, mas a cada vez que eu o assisto eu tenho uma melhor noção do que está acontecendo e quando está acontecendo. No entanto, os prazeres do Primer são muito sobre como viver a natureza mistificadora da descoberta e como eles estão prestes a descobrirem as coisas.
O enredo é bastante simples; ou não: Aaron e Abe, os engenheiros que estão trabalhando em uma garagem esperando inventarem a próxima grande coisa, quando acidentalmente criam uma máquina de viajem no tempo e passam a explora-la; como ela funciona e como eles podem usá-la para sua vantagem. Carruth usa diálogos nas primeiras cenas cheios de jargões científicos sem tentar fazer nenhuma tentativa de prender a plateia. Leva alguns minutos para nos acostumarmos, mas dá um ar de autenticidade a este mundo e estabelece os traços de caráter de Aaron (impulsivo, profissionalmente frustrado) e Abe (cuidadoso, curioso, honesto) surpreendentemente bem. A sequência de abertura, que acompanha uma conversa por vários planos e locais usa uma edição inteligente e diálogo para nos facilitar com a imersão. Funcionam como uma definição de tabela e mostram uma compreensão de linguagem cinematográfica. Esta sequência também nos proporciona uma sensação de facilidade que depois é interrompida por um estilo de edição fragmentada mais abrupta na segunda metade do filme.
Eventualmente, Aaron e Abe começam a usar a máquina para viajarem no tempo e ficarem ricos jogando no mercado de ações. Tudo parece estar indo bem até que eles começam a manterem segredos um do outro e começam a viajar mais para trás no tempo e mais frequentemente; e a amizade começa lentamente a se despedaçar. Nós revisitamos cenas que tínhamos visto antes de uma nova perspectiva, que nos convida a questionar tudo o que vimos até este ponto. O último ato do filme se assume como um digno mindfuck, com duplas de diferentes linhas do tempo entrando em contato umas com as outras e a relação entre Aaron e Abe ficando cada vez mais tensa ao passo em que afloram suas verdadeiras naturezas (ou, pelo menos, algumas das suas muitas naturezas, dadas as múltiplas linhas de tempo) que são reveladas pela forma como eles lidam com suas habilidades recém-descobertas.
Assistir Carruth botando isso tudo pra fora é vertiginoso, uma experiência emocionante, mas a resolução das jornadas dos personagens no final do filme soa apressada e insatisfatória. Pela natureza do filme vemos apenas uma fração da experiência dos personagens, o que significa que a separação definitiva entre os dois amigos e a decisão de Aaron de deixar tudo para trás, incluindo sua família, faz sentido se você levar em conta que Aaron tem experimentado até dois meses de tempo ao longo dos cinco dias em que o filme se desenrola. Mas vemos apenas alguns minutos daquilo, o que significa que a sua decisão no final do filme parece imerecida, pelo menos para mim. No entanto, Primer ressoa em um nível temático em que declara que a nossa fraqueza e inseguranças são mais perigosas para o nosso bem-estar do que qualquer tecnologia poderia ser. O sistema de entrega é tão complexo quanto a compreensão deles, mas a simplicidade da mensagem é o que faz Primer valer o nosso tempo.
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