INSANIDADE, COBIÇA, LUXÚRIA, FUTILIDADE EM UMA MISTURA TÃO PERIGOSA QUANTO SEU PROTAGONISTA.
Christian Bale é inegavelmente um dos melhores atores da sua geração. Talentoso e versátil, de presença forte e marcante em cena, Bale acumula bons trabalhos ano após ano em gêneros completamente diferentes. Mesmo antes de atingir o estrelato com a trilogia de Batman, de Christopher Nolan, o ator já possuía no currículo trabalhos bem interessantes, como Reino de Fogo, O Operário (The Mechanist, 2004), Inimigos Públicos (Public Enemys, 2009) O Sobrevivente (2006) e O Grande Truque (The Prestige, 2007) . Mas foi em Psicopata Americano (American Psycho, 2000) que Bale apareceu para o mundo do cinema com uma das interpretações mais seguras dos últimos anos, embora o filme apresente vários problemas. Alguns graves.
Analista de uma mega empresa de contabilidade em Wallstreet, Patrick Bateman (Bale) é um jovem rico, bonito, bem-sucedido, culto, inteligente e vaidoso. Envolto em um mundo de luxo e futilidades, onde o que você faz e quem você representa significam mais do que quem você é, Bateman não quer, necessariamente, ser o melhor nem o mais notável, apenas não suporta a idéia de que alguém seja melhor do que ele. Fruto de sua extrema e doentia vaidade (que atinge seu ápice na cena em que Bateman se admira e contempla sua imagem no espelho, mesmo estando na cama com duas gatas). Vaidade esta que faz de Bateman um verdadeiro psicopata doentio e imprevisível, parecendo sempre a beira de um colapso nervoso, sem nunca sabermos quem será sua próxima vítima. Vítimas essas que não são escolhidas aleatoriamente. Cada uma delas atinge Bateman de alguma maneira. O saliente transtorno obsessivo compulsivo (TOC) de Bateman, por exemplo, aflora de forma mais agressiva quando algum personagem está prestes intervir em seu estilo de vida limpo e absurdamente simétrico e regrado, como fumar em seu apartamento, mexer em alguma de suas coisas, tocar, sujar ou marcar suas roupas, desarrumar seu cabelo ou mesmo vestir-se de forma inadequado em sua presença. Uma simples ação desta, mesmo que inocentemente, pode desencadear um ódio incontrolável, que faz com que Bateman devote suas noites e sua astúcia para eliminar de seu convívio aquele que lhe agride. Assim como a idéia de conviver tão próximo de alguém com mais capacidade, sorte ou simplesmente tão bem sucedido quanto ele, como Paul Allen (Jared Leto), desperta em Bateman os únicos sentimentos identificáveis em seu ser, como ele mesmo define em determinada passagem: cobiça e ódio. De certa forma, Patrick Bateman não inveja Paul Allen, simplesmente. Em algum momento Patrick Bateman quer ser Paul Allen. Paul é responsável pela conta de uma das mais importantes empresas cujas finanças são representadas pela P&P - empresa onde Paul e Patrick trabalham -, possui um cartão mais bem trabalhado que o de Bateman, seu apartamento é mais bonito, mais bem posicionado e mais caro. Fora os colegas de happy hour, ninguém lembra direito quem é Patrick Bateman, mas todos sabem quem é Paul Allen. Isso, Bateman não pode aceitar.
Esse é o contexto no qual o protagonista está inserido. Porém, pode-se dizer que o contexto é bem melhor do que o filme propriamente dito, já que nem a direção de Mary Harron, nem o roteiro de Guinevere Turner, em conjunto com a diretora, aproveitam todo o potencial que a história baseada na novela de Bret Easton Ellis possui, optando, por vezes, por uma narração em off que apenas descreve tudo o que acontece na tela, que em nada agrega ou contribui com o filme. A apresentação de Bateman, assim como seu desenvolvimento é muito boa. Posso dizer até que ótima. Porém, todo o entorno do personagem deixa muito a desejar. Principalmente ao desenvolver os personagens coadjuvantes. Por exemplo, o detetive Donald Kimball (Willem Dafoe) deveria ter a função de trazer um pouco de tensão à trama, pois perece suspeitar de Bateman. Porém, em poucos minutos de conversa com o protagonista e ele sai amansado demais, por assim dizer. Na verdade, Kimball surge de maneira promissora em seu primeiro encontro com Bateman, mas depois tem sua participação reduzida e minimizada pelo roteiro de maneira covarde. Assim como os amigos e as namoradas de Patrick que, além de não possuírem função alguma na trama, são muito pouco aproveitados. A partir deles, na verdade, não são geradas situações propícias para impulsionar a história, apenas servem para reforçar o universo medíocre e fútil no qual Bateman se encontra. Turner e Harron foram ousadas, sim, ao imprimir um certo tom cômico em determinadas passagens do longa, mas isso requer uma habilidade que certamente a dupla não possui. Mas pelo menos elas ousaram. Não tiveram medo, mesmo que o resultado não tenha sido assim tão bom. Maior prova de boa intenção, mas execução problemática é a seqüência do surto psicótico de Bateman pelas ruas de NY numa cena tão divertida quanto confusa.
Mas existe uma cena que ao meu ver é a principal do filme, que a perseguição de Bateman à Christie com a moto-serra, em uma escancarada homenagem ao clássico absoluto do terror O Massacre da Serra-Elérica (The Texas Chainsaw Massacre, 1974), reproduzindo até mesmo os berros clássicos da rainha dos gritos dos filmes de terror. Essa ousada e arriscada cena é fundamental por ser o marco zero da virada e mudança de abordagem do filme, que abandona o tom mais cauteloso e passa a adotar um ritmo mais frenético e até surreal (lembrando que há uma cena em que Bateman assiste O Massacre da Serra-Elérica enquanto fala ao telefone).
O fato de Bateman buscar a rendenção o torna um serial killer diferente dos demais vistos no cinema. Diferente de Hannibal Lecter (O Silêncio dos Inocentes), Bateman não escolhe suas vítimas conforme a conveniência. Nem tampouco assume uma segunda personalidade como Norman Bates (Psicose). Não. Bateman é tomado por uma fúria repentina, despertada por qualquer um que agrida suas concepções. O mais curioso de tudo se dá no fato de Bateman sentir-se castigado por sair impune aos crimes que comete (nem seu advogado parece acreditar ou se importar com o que Bateman fez. Na verdade, ele nem lembra que Bateman é Bateman!!).
Dentre os demais aspectos da produção, destacam-se a fotografia de Andrzej Sekula que, em conjunto com a direção de arte, recria muito bem o contrate entre a limpeza, pureza e a clareza do apartamento de Bateman com a escuridão e sujeira dos ambientes noturnos visitados pelo protagonista, assim como as ruas da NY dos anos 80. Assim como a trilha de John Cale, que "entope" o filme com clássicos e grandes sucessos do final daquela década.
Em contraponto aos problemas de ritmo, aproveitamento de personagens e situações, roteiro e direção irregulares e confusas, existe um ponto irrepreensível e digno de aplausos de pé em Psicopata Americano: a atuação de Christian Bale. Impecável! Absurdamente à vontade no papel, Bale assume o controle não só do personagem, mas do filme por completo, transformando-o quase em um monólogo. Impossível não calar-se enquanto o observamos em cena. Embora Bale tenha um Oscar por O Vencedor (Ator Coadjuvante), esta é de longe a melhor interpretação da carreira do ator. A cena do assassinato de Paul Allen é uma pura demonstração de talento, ensaio e compreensão/concepção de personagem por parte do ator.
Perigoso em muitas esferas e de muitas maneiras, Patrick Bateman está a um passo de entrar para o grupo dos grandes serial killers do cinema, mas ainda precisa ser redescoberto. Caso isto aconteça, não será exagero nenhum dizer que será por conta do trabalho de Christian Bale.
Belox texto Cristian! Mesmo com um deslize aqui e ali eu adoro o filme!
Obrigado a todos. Demorei pra responder, mas os caras retiraram seus comentários!!!
Hehehe gostei do texto. Acho divertido (?) esse filme. Hehehe Bale está impagável.
O filme é meio bizarrão..