Saiu antes de «O Apartamento», que tanto tem de drama como de humor ao mais alto nível, mas sucede a um dos maiores clássicos de Billy Wilder («Sunset Boulevard», que tem muito mais tristeza e profundidade) e outros grandes títulos cómicos e prestigiantes da sua carreira (como «Stalag 17», «Sabrina» e «Testemunha de Acusação»): «Quanto Mais Quente Melhor» (adaptação de um filme francês de 1935, intitulado «Fanfare D' Amour» e que, talvez, mereça ser redescoberto, pois ficou perdido devido ao muito maior sucesso da investida americana) é a comédia de enganos definitiva, com uma energia implacável, uma histeria brutal, muitos diálogos refinados e grandes quantidades de muito boa ironia. É a apoteose do humor de Wilder e do seu estilo tão cativante e sedutor, que continua a funcionar hoje e a ser tão hilariante como na sua estreia. Porque também não é por acaso que foi eleita a Melhor Comédia Americana de Todos os Tempos, numa lista de 100 títulos elaborada pelo AFI (American Film Institute). «Quanto Mais Quente Melhor» brinca com os modelos tradicionais da narrativa, e da própria comédia cinematográfica (ele faz uma autêntica revolução no humor americano e na maneira como os "states" viam o que era ou não risível, ou seja, entre o que poderia ser permitido dentro do seu elevado conservadorismo - ver que esta fita não era "adequada para menores" pode tanto causar gargalhadas como muitos dos gags do filme). Sendo uma alta comédia, onde os enganos sucedem-se atrás dos outros, e onde as piadas parecem não ter fim (e que nos são lançadas, em certos momentos do filme, como se uma "metralhadora" causadora de risos se tratasse), «Quanto Mais Quente Melhor» é uma obra onde as punchlines (mas das boas!) dominam, mesmo que algumas cenas possam ser de um gosto menos subtil e mais popular (mas que resultam excelentemente bem!) tal como a boa música e a qualidade dos seus atores, adequadíssimos às personagens que desempenham e às loucas e desvairadas situações a que estas são submetidas. Billy Wilder ficou conhecido pela sua irreverente irreverência, pela forma quase descarada, mas sempre divertida, como olhava o mundo e como mexia os "peões" do seu jogo cinematográfico. «Some Like It Hot» é o melhor exemplo disso mesmo, em que cada jogada, cada passo, cada movimento fornecido pela câmara, pelo elenco ou pelo argumento, é deliciosamente revelador de uma época e de um país que ansiava por mudanças culturais (e não se esqueçam que, em 1959, a ideia do McCarthyismo estava ainda muito presente na sociedade americana!). Ah, e também é importante não esquecer que esta fita é mais uma prova que tudo pode fazer rir, se manuseado de uma forma inteligente, perspicaz e completamente surpreendente.
É que, para muitos, talvez a posição n.º1 de «Some Like it Hot» nesse género de listas indica apenas um pretensiosismo por parte de muitos, que não querem abrir os olhos às novas tendências da comédia e, talvez, a filmes que são melhores do que este. Nada mais errado, e daí ser merecedor essa distinção: talvez esta seja uma comédia que, como poucas (as que são mesmo boas), conseguiu não perder nenhum do seu charme e do seu brilhantismo com o passar dos anos. E felizmente que isso se sucedeu, porque senão, não poderia lidar com uma história tão fascinante que, envolvendo um período negro do século XX (a Lei Seca), e que está bem presente numa das primeiras cenas que pouco tem de cómica, consegue criar, depois, pequenas e grandes piadas com tudo o que rodeia os dois protagonistas (uns músicos - Tony Curtis e Jack Lemmon, que aqui o vemos em completo estado de graça - que tocavam num bar clandestino que fechou e, depois de perderem tudo o que lhes restava numa estúpida aposta, decidem-se a fazerem-se à vida e continuarem a lucrar, candidatando-se ambos a uma banda totalmente feminina, que está de partida para breve e que, que grande coincidência!, precisa de mais dois instrumentos - e não, isto não se trata de um contrasenso por parte do autor destas linhas!) que não conseguem deixar alguém indiferente ao ambiente entusiasmante e hilariante da obra de Billy Wilder. Numa contínua guerra dos sexos (que não cai nos clichés e nos temas secantes que muita boa gente da comédia de hoje pega para abordar este infindável e inesgotável tema) que tem ainda uma Marylin Monroe deslumbrante (e que, pelo o que contou Wilder, foi uma das atrizes mais complicadas com quem já trabalhou - muitos planos e cenas foram repetidas até à exaustão pela incapacidade da atriz de conseguir, na maioria dos takes, fazer o seu papel como deve ser -, mas no final, tudo valia a pena, quando conseguiam captar os momentos que, depois, tornaram-na tão graciosa e magnífica neste e noutros filmes americanos lendários) e um espírito cómico, sensível e poético até, que nos causa ainda uma felicidade incrível, «Some Like It Hot» é uma das grandes comédias da História do Cinema, arrematada pelo desfecho mais caricato e hilariante de sempre. É um filme tão contagiante, inovador e audaz, que ainda pode ser provocador para muitos, e uma fonte de eternas gargalhadas para outros. Mas penso que, lá no fundo, Billy Wilder queria mais ver a sua plateia a rir, com todos os bons disparates que aqui deixou para a posteridade. Este filme, minhas senhoras e meus senhores, é lindo, e ponto final.
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