- "Eu sou um homem!"
- "Bem, ninguém é perfeito."
Por causa de um perigoso criminoso dois amigos se disfarçam de mulheres. Um deles logo está apaixonado por uma moça estonteante e precisa alternar entre o disfarce feminino e um novo disfarce assumido para conquistá-la, o de um ricaço. Enquanto isso, o outro em sua versão feminina desperta o interesse de um ricaço de verdade que começa a fazer de tudo para impressioná-la (impressioná-lo?). Poderia ser As Branquelas, mas é Quanto Mais Quente Melhor. Poderia ser o divertido filme dos irmãos Wayans (ah, é divertido, sim, deixa de rabugice), mas é "a melhor comédia da história do cinema estadunidense" (ao menos segundo o American Film Institute, mas se não for "a", briga cabeça a cabeça pela posição), mais uma das obras-primas dirigidas pelo gênio Billy Wilder, que parece ser incapaz de fazer algo que não seja obra-prima.
Aqui os homens travestidos não são policiais em busca da prisão de um criminoso barra-pesada, mas uma dupla de músicos de jazz, o saxofonista Joe (Tony Curtis) e o contrabaixista Jerry (Jack Lemmon) que se junta a um grupo musical de mulheres para escapar de um mafioso estilo Al Capone, que contrabandeia bebidas ilegalmente em um Estados Unidos que em 1929 vivia o auge da Lei Seca
e o crash da bolsa de valores. Quanto Mais Quente Melhor, então, é um filme muito mais universal, é uma trama de sobrevivência de duas figuras que não possuem outra opção para seguirem vivos depois de serem testemunhas de um massacre comandado pelo gângster interpretado por George Raft, senão assumir as identidades de Daphne (Lemmon) e Josephine (Curtis). Mas é, ainda assim, uma comédia e daquelas absurdamente divertidas. Seja quando aposta em um humor mais físico, com aquela pitada exata de "maldade" que impede de descambar para a apelação, como na cena em que "a" personagem de Lemmon divide a cama com a estonteante Sugar Kane de Marilyn Monroe, seja nos diálogos afiados de Wilder, que transforma falas que poderiam ser simples em pérolas de humor, como quando Joe perplexo com um possível casório do amigo Jerry com o milionário Osgood Fielding III (Joe E. Brown) lhe pergunta o que ele fará na lua-de-mel, ao que o personagem de Lemmon responde que "ainda estão discutindo isso. Osgood quer ir para a Riviera, mas ele prefere Niagara Falls.", Quanto Mais Quente Melhor é uma experiência que mantém o espectador com o sorriso sempre no rosto.
Claro que se o filme diverte tanto, muitos dos méritos são do trio de intérpretes irretocável. Se de um lado Curtis surge à vontade, com aquele puro charme canalha que parece capaz de contornar qualquer situação, nos fazendo torcer por um cara que engana a mocinha, Monroe é dinamite pura, daquelas atrizes/personagens pra quem você só pode olhar por alguns minutos sem precisar escolher entre desviar o olhar ou se apaixonar por uma mulher que esconde um vulcão de sensualidade por trás da voz doce de garota de coração partido. E há Lemmon, claro, um daqueles caras que não pode ser separado da palavra gênio. Seja como Daphne, seja como Jerry, Lemmon é dono do filme, numa atuação antológica, daquelas em que se pegarmos apenas uma expressão isolada já seria o suficiente para lhe fazer merecer prêmios e mais prêmios, como o último plano do filme, que traz sua reação a resposta inusitada do personagem de Brown. É daqueles que estão em outro nível.
Bastante ousado para sua época, Quanto Mais Quente Melhor já trazia há cinquenta e cinco anos atrás homens vestidos de mulher, homem querendo casar com homem e comentários ácidos sobre a sociedade machista - "agora você sabe como uma mulher se sente", diz o personagem de Curtis ao de Lemmon após o segundo ser sexualmente assediado -, coisas que ainda hoje parecem sempre vir envoltas em polêmicas dos mais diversos tipos. Mais uma prova da genialidade de Wilder e de como seu filme em nada perdeu com o tempo passado desde sua estreia.
E eu sei que você, que leu esse texto até aqui, ainda deve estar pensando "porra, o cara cita As Branquelas no texto sobre um filme do Wilder!", mas é como diz Osgood Fielding III ao fim desse Quanto Mais Quente Melhor, no que deve ser um dos diálogos finais mais sensacionais já escritos: "Bem, ninguém é perfeito.".
Claro que essa obra-prima de Wilder é uma daquelas coisas que de tão lindas nos fazem pensar que certos filmes podem, sim, ser perfeitos.
Que isso, Chico. Quem é Pedro na fila do pão ocupada pelo Chico Flag? Hahaha
Valeu, brother
Pedroca manja muito [2]
Crítica boa que o Pedro ao citar "As Branquelas" torna maior ainda. Nada como o bom humor sobre nossas "fraquezas". Quem não gosta de um filme tido como trash?
😎