William: “- O que você mais gosta na música?”
Russell: “- Para começar, tudo.”
Num dos últimos momentos de Quase Famosos, o jovem jornalista William Miller (Patrick Fugit) e o músico Russell Hammond (Billy Crudup) travam o diálogo transcrito acima. Se me perguntassem o que mais gosto no filme de Cameron Crowe, a resposta seria a mesma dada pelo personagem de Crudup ao de Fugit. Não importando os diversos modos que você pode olhar para Quase Famosos, Crowe fez um filmaço, daqueles que definem uma carreira inteira e marcam uma (ou mais) geração. É a história do tal William, jovem de 15 anos que ganha a oportunidade de cobrir a turnê de uma banda de rock em ascensão, os Stillwater, para a Rolling Stones e na estrada amadurece ao deixar o lar de sua mãe linha dura (Frances McDormand) e entrar em contato com um mundo de sexo, drogas e rock and roll ao lado da banda e suas groupies (definição que não serve para elas, aliás, como uma delas irá explicar em dado momento, elas são band aids, muito mais que meras groupies), lideradas pela bela e misteriosa Penny Lane (Kate Hudson). Mas o filme é bem mais que esse resumo do resumo. É um coming of age daqueles que nos apresenta um personagem e na hora da despedida o traz completamente mudado, através de um road movie que o faz mudar também aqueles que o acompanham. E é também o retrato de uma época em que o desejo de liberdade na adolescência era infinitamente maior, quando a única maneira de alcançá-la parecia ser saindo de casa. E como se não bastasse, é um retrato fiel, através de uma banda fictícia (pois é, os Stillwater só existem no universo fílmico de Quase Famosos), de boa parte das bandas dos anos 70, época em que o rock and roll passava por mudanças determinantes e era visto como ponto importante nessa busca da juventude por liberdade. E no meio disso, é uma declaração de amor à música. A música que inspira. A música que muda. A música que une.
Não é a toa que a cena mais marcante de Quase Famosos seja justamente a ênfase no poder da música – ou da arte em geral – de conciliar: após uma discussão que quase significa o fim dos Stillwater, um a um os passageiros de um ônibus acompanham a voz de Elton John saindo do rádio e entoam a marcante “Tiny Dancer” para, no fim, ficar tudo bem de novo. Sem conversa. Sem gritos. Sem choro. Apenas a partilha de uma canção e de repente um ônibus em silêncio se torna um lar animado e seus habitantes uma família que apesar dos altos e baixos parece precisar um dos outros. Daí quando mais pra frente o ônibus é substituído por um avião e uma nova crise se instaura entre os personagens, com a ausência de música segredos do passado são desencavados, rusgas escancaradas e magoas reveladas. E todos descem do voo cabisbaixos, mal se olhando. É a música que une aquelas figuras. Bem, a música e a visível paixão de Cameron Crowe.
E a paixão pode ser explicada pelo fato de a história ter sido escrita e dirigida por Crowe tendo como base sua própria vida. William é um avatar de Crowe na narrativa, e boa parte dos outros personagens são de pessoas com as quais ele conviveu em sua aventura juvenil – os Stillwater seriam o Led Zeppelin, que Crowe acompanhou, combinado com outras bandas das quais ele gosta. Talvez por isso cada pequeno detalhe transborde verdade, seja a tentativa de controlar um coração partido que rende uma das cenas mais emocionantes da produção, protagonizada por uma Kate Hudson que até hoje deve uma atuação tão certeira quanto aqui, seja o garoto que após desbravar os Estados Unidos recebe a chance de desbravar o mundo e só consegue pensar em ir pra casa, recarregar as baterias. Aí fica mais fácil de criar aquela identificação entre personagens/espectador que torna o filme tão mais gostoso.
Claro que o elenco também tem seus méritos. Fugit encarna bem o amadurecimento experimentado por William. Hudson é o destaque maior do filme, como já foi dito, tornando-se um imã do qual é impossível desviar quando surge em tela. Crudup arrasa em um desempenho que inexplicavelmente não foi mais reconhecido na época, brilhando nas cenas mais excêntricas e em outras onde uma simples mudança de expressão comunica tudo que precisamos saber sobre o personagem e seus sentimentos.
McDormand está um pouco exagerada (como na maioria de suas atuações), mas acaba casando bem com a personagem. Jason Lee se sai bem como o vocalista dos Stillwater, Jeff, que vivencia uma relação de amor e ódio com o guitarrista Russell. Zooey Deschanel (que interpreta a irmã de William), Anna Paquin e Fairuza Balk (intérpretes de duas das band aids) se saem bem em seus papéis sem muito destaque. E fechando o elenco, claro, Philip Seymour Hoffman injeta carisma ao crítico musical Lester Bangs, amigo e conselheiro de William.
Aliás, fechando o elenco nada. Ainda não falei da trilha sonora do filme. Tão importante para a produção de Crowe quanto seus atores. Vai de Led Zeppelin à Deep Purple, passando por The Woo, músicas do Stillwater, compostas especialmente para o filme e, claro, Elton John, que exerce papel fundamental na já comentada melhor cena do filme. Ou seja, se você não se apaixonar pelo filme, ao menos vai passar um tempo na companhia de musiconas de primeira. Ou você pode também não gostar das músicas, claro. Mas se gostar de Quase Famosos, você provavelmente vai encontrar no filme aquilo à que se refere o personagem de Jason Lee em dado momento, “aquela coisa indefinível quando as pessoas pegam algo em sua música”. Ou em seu filme. E o filme de Cameron tem essa “coisa” a mais.
“Hold me closer, tiny dancer”
(“Tiny Dancer”, Elton John)
Excelente texto, seu puto. Amo esse filme!
Esse é um dos filmes mais emocionantes que já vi. Excelente texto (de novo)
Valeu, pessoal 😁
Esse é filme pra vida.
Uma das melhores trilhas de todas. E o que é aquela cena do avião??!!