“É, o país está mudando mesmo...”
Que Horas Ela Volta? é um filme de boa intenção, isso não dá pra negar. Mas aí entra a pergunta para qual qualquer um já sabe a resposta: para um filme basta a intenção? Não, claro. Então a produção de Anna Muylaert morre na praia. Que esteja provocando o alarde dentro e fora do Brasil é algo não muito difícil de entender, por que, como retrata a obra, o Brasil – ainda que muita coisa siga igual - realmente mudou e hoje em dia a postura mais crítica da população e o maior acesso de diferentes classes à Arte produzida aqui permite isso. Mas também escancara o fato de que, numa geração onde tudo vira “textão” no Facebook, mesmo que não se saiba bem o que se quer dizer, às vezes as intenções bastam por si só. Aí o resultado é uma obra preto no branco, estereotipada até a medula e onde qualquer um consegue antecipar as cenas seguintes sem muito esforço – quando Fabinho (Michel Joelsas) descobre que não passou no vestibular, sabemos que Jéssica (Camila Márdila) irá passar, por que a mensagem de mudanças precisa ser explicita.
Na história, Val (Regina Casé) é uma daquelas empregadas em quase situação de escravidão, que vai do Nordeste para São Paulo, onde trabalha/mora na casa dos patrões que a tratam como “quase da família”, uma “segunda mãe” para Fabinho, mas deixando bem claro os limites, aí sua filha de verdade, Jéssica, chega para fazer o mesmo vestibular do rapaz e as estruturas da mansão com piscina dos patrões de Val (Karine Teles e Lourenço Mutarelli ) são abaladas. Não deixa de ser interessante então que Jéssica aqui desempenhe um papel similar ao de Bruna Amaya em Casa Grande, de Fellipe Barbosa, conseguindo ser uma personagem muito mais rica, ao passo que todos os que a orbitam são muito menos complexos e interessantes do que o restante dos personagens daquele filme.
Assim, é um desperdício que Jéssica e a ótima Camila Márdila estejam a mercê do roteiro de Muylaert, que precisa transformar Bárbara (Teles) em uma vilã caricata de novela – algo sua intérprete abraça sem constrangimento, baseando sua atuação em caras e bocas e caretas -; Carlos naquele cara rico gente boa que vai se encantar do nada pela personagem de Márdila, chegando ao cúmulo de do nada protagonizar a cena mais ridícula do cinema nacional em anos; e Fabinho em algo que eu até diria o que é, se ele não atravessasse o filme inteiro como um zero à esquerda, um personagem que de nada parece servir se não pronunciar o nome do filme em sua abertura. E há Val, que Regina Casé defende com talento, delicadeza, baseada em pequenas ações que significam um mundo para aquela mulher, como finalmente molhar os pés na piscina dos patrões. Mas é pouco para todos os aplausos que anda recebendo – e olha que não sou crítico de Casé ou seu Esquenta, como boa parte do pessoal que pra cada elogio para ela precisa colocar um “mas” envolvendo o programa global.
Existem boas cenas ali no meio, como a que envolve Jessica na piscina e que escancara que apesar de oficialmente não haver mais escravidão, pessoas não se intimidam em agir como senhores de engenho se apoiando em regras não escritas mas conhecidas por todos desde o nascimento na relação entre classes sociais. Mas no geral o filme parece “gritado” demais, mais preocupado em se manifestar do que contar sua história. Aí que cada revolta de Jessica ou cada cena de Fabinho mais confortável ao lado de sua “segunda mãe” do que de Bárbara parece sempre vir acompanhada de um diálogo que deixa tudo ainda mais óbvio para que não exista risco da mensagem não ser captada. Um exemplo é a cena em que Carlos mostra o quarto de hóspedes à Jessica, onde a garota verbaliza todas as contradições no discurso do personagem de Mutarelli, sem deixar espaço para que o espectador identifique isso. O oposto, por exemplo, de quando um pouco antes tudo parecia mais implícito, como a surpresa rancorosa na voz de Bárbara ao dizer a frase que abre esse texto.
Se mantivesse-se nesse tom, talvez deixando o lado social em segundo plano para se concentrar no que de mais interessante tem a história – Jéssica, que remoeu por anos a distância da mãe, vendo-se ela mesma em uma situação similar quando necessário, numa daquelas ironias que só a vida real consegue produzir -, Que Horas Ela Volta? pudesse ir mais longe. Do jeito que foi feito, no entanto, é mais provável que seja logo esquecido, mesmo com toda a intenção de ser algo memorável. Isso se não ganhar o Oscar de Filme Estrangeiro tão desejado pelo Brasil, claro – o que é bem possível, dado o histórico da Academia em premiar quem não merece -, aí, vai ser lembrado, ao menos por alguma coisa.
A Que Horas Ela Volta? Tomara que NUNCA!!!!!!!
Quanta raiva nesse coração, Cristian. Também não gostou do filme? Hahahaa
Não tive paciência. E a Cazá também não ajudou......
* Cazé