A maioria das pessoas - ou dos cinéfilos, no caso - não percebem o quão difícil é fazer um filme, ou melhor, montá-lo. Não me refiro ao processo de edição, mas a personalidade dos ângulos que cada diretor deve achar em sua filmografia - e no caso de Fassbinder, o acha várias vezes e o reformula vez e outra. E também no caso de Fassbinder, poucas vezes ele escolhe em seus filmes um cenário completamente natural, ou digamos, exterior. Ainda que saia de cenários interiores de casas em tons pastéis, o que vemos é um país, uma cidade de uma determinada época pós-revolução industrial. O que isso significa? Um cenário urbano, feio e sujo. Ainda assim, em sua estética de interiores e quase fixa em uma Alemanha urbana, temos em "Eu Só Quero Que Vocês Me Amem", de 1976, escolhas de ângulos teatrais e belos. Destaco um momento principal, o primeiro encontro do casal principal do filme, em que a mãe doente recebe flores de ambos. Fassbinder escolhe um plano que junta os três, a mãe deitada no canto direito, o filho depois refletido ao pegar um copo, um santo também no lado direito, as flores mais abaixo separando a futura esposa e nora, em pé. Logo após esse belo enquadramento, os dois (Peter e Erika) saem para um café e ali também se pode notar um uso nada sistemático de ângulos. Ora, em uma simples conversa numa cafeteria, a cada tomada se tem um ângulo diferente com um movimento de câmera diferente! O que parece fácil, mas no processo de filmagem é algo perigoso pelos enganos que podem trazer aos atores, ao diretor e ao próprio público.
Eu Só Quero Que Vocês Me Amem é um belo caso em que a técnica pode ser avaliada como um produto único analisável no filme. Mas não apenas de técnica um filme pode ser feito, e aqui este não é o caso.
Há um mundo humano demasiado desumano que o torna um filme pessimista. Apesar de ter sido um filme feito especialmente para a televisão na época, é muito visível, desde o primeiro minuto, que quem quer que o esteja assistindo, não terá um entretenimento acessível. Vez ou outra o filme nos traz lapsos temporais, ora na infância de Peter, ora na fase derradeira a qual o roteiro quer nos levar. Essa estrutura nem sempre linear é algo interessante tanto dentro da carreira de Fassbinder, quanto do próprio cinema da época.
O medo de não ser aceito por uma sociedade baseada em seus próprios mecanismos produz indivíduos perturbados psiquicamente. O grande problema é saber que se este filme ainda é um reflexo moderno - e o continuará sendo até sabe-se onde.
Em um determinado momento do filme, ao ver novamente o sujeito levando flores a algum conhecido qualquer, me perguntei irritado "mas de novo!?", novamente é claro, ao entregar flores a sua família, Peter só deseja ser amado, é a forma que sempre viu que seu afeto poderia ser demonstrado: batalhando, comprando e dando. Já não importa mais se ele não tira férias, já não importa mais se ele morrer trabalhando, Peter parece nunca ter vivido para si e isso já não faz diferença agora, se for viver para morrer pelos outros, que seja ao menos dando o seu máximo. O que o corroía intensamente, era saber que nem o seu máximo alcançava os seus objetivos, pois todo contato que tinha com o pai era para pedir dinheiro, e ambos sabiam disso, o que constrangia e amargava o filho profundamente. Ao ser perguntado se amava a sua mãe (a mesma que nunca é vista esboçar carinho ou um sorriso ao filho ou a quem quer que seja) Peter se confunde com as palavras e mostra já não ter mais certeza dos seus sentimentos com as pessoas ao seu redor. Ele viveu dignamente dentro das regras que o foram impostas, até elas o pressionarem para o lado mais obscuro de sua vida (e provavelmente sem volta), viveu da forma como deveria ser, para ao final, amargamente, ainda ter que ser indagado se é feliz.
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