Proveniente do latim, a expressão que intitula Quod erat demonstrandum (idem, 2013) é utilizada na matemática e significa “como se queria demonstrar”. Aparece abreviada no final de uma demonstração matemática e está logo no início do longa de Andrei Gruzsniczki, proferida por seu protagonista, Sorin (Sorin Leoveanu), cuja carreira universitária vem sendo impedida de prosseguir. A (pouca) ação transcorre em uma Romênia encerrada sob o regime ditatorial de Nicolae Ceauşescu, que tinha uma multidão de asseclas a seu serviço, entre eles um agente osso duro de roer que começa a vigiar seus passos depois que fica sabendo da publicação de um artigo seu em uma revista dos Estados Unidos sem autorização do governo.
O ritmo impresso pelo diretor é monótono, dando tempo para que se conheçam os personagens sem a menor pressa, uma escolha que pode afugentar os mais apegados à ligeireza narrativa. Quem aprecia histórias de digestão lenta, por sua vez, dificilmente terá do que reclamar nesse sentido. A opção pela filmagem em preto e branco confere ares antológicos a cada fotograma, fazendo parecer que a obra foi desencavada de algum acervo guardado por muitos anos, quando, na verdade, é um daqueles clássicos instantâneos. Nem tudo é detalhadamente explicado. O roteiro, também sob a responsabilidade de Gruzniczki, oferece ao espectador a possibilidade de fazer inferências e entender o que e como os episódios estão acontecendo.
O matemático tem como grande amiga Elena (Ofelia Popii), com quem selou uma espécie de contrato de fidelidade, no qual também se incluía o marido dela que está trabalhando fora do país. Inicialmente, suas histórias são apresentadas em paralelo, como se não tivessem relação, mas logo se cruzam e revelam um relacionamento de carinho e parceria, como na sequência em que formam dupla em uma partida de bridge contra um casal que os convida para um jantar em sua casa. Essa amizade toda, porém, não é impedimento para que Elena tome uma atitude moralmente questionável a certa altura, mesmo tendo consciência da situação delicada que Sorin vem enfrentando. De qualquer forma, não cabem análises rasas para os personagens de Quod erat demonstrandum: a roda gira de maneira bem mais complexa do que as aparências poderiam levar a supor.
Um detalhe interessante da produção é o seu rigor matemático. Tudo é bastante calculado, dos enquadramentos à montagem, e as emoções bastante contidas. Não terá sido uma característica aleatória. A bem da verdade, é uma história que já foi contada diversas vezes, mas sempre é bom lembrar que o modo como se conta uma história é mais importante do que a história a ser contada. Nesse sentido, pode-se dizer que o filme chove muito bem no molhado, reunindo um elenco talentoso que empresta frescor aos personagens, já que não há associação com quaisquer papéis anteriores. Até bem pouco tempo, o cinema romeno experimentou uma onda de prestígio, que ainda pode ser justificada por tíulos como esse, com pinta de história à moda antiga e pincelada com detalhes que a tornam significativa para além de qualquer época.
Sua qualidade foi reconhecida no Festival de Roma, de onde saiu com o prêmio do júri. O realizador está em seu terceiro filme, sendo esse o segundo longa-metragem. É um daqueles casos em que a experiência é inversamente proporcional ao talento. A escolha de um período traumático da história recente da Romênia evidencia uma filiação a outros títulos que versam sobre o mesmo assunto, sobretudo os de Corneliu Porumboiu, como A leste de Bucareste (A fost sau n-a fost?, 2006). O centro de interesse dessas produções, em geral, está sobre gente comum que tem a vida transformada em meio a um sistema de governo totalitário que priva seus cidadãos da liberdade, inclusive a criativa. Por vezes, o longa de Gruzniczki faz lembrar A vida dos outros (Das Leben der Anderen, 2007), por também mostrar um protagonista com a vida devassada. E, como no vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro de 2008, o final é desconcertante, com o adicional de lavar a alma.
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