Alguns filmes se mostram inesquecíveis, marcando quem o assiste tanto de forma positiva quanto negativa. Com este clássico dos faroestes, existem características que o permitiram se eleger como um dos maiores títulos do gênero, isto todos podem afirmar. Se Rastros de Ódio é considerados um dos melhores e maiores trabalhos da parceria maravilhosa de Ford/Wayne, até mesmo sendo apontado pelo ator que se trata de seu filme favorito. Vejo-me na obrigação de levantar alguns detalhes que somados fazem total diferença no apreço do público, ao final da projeção. Pode se notar aqui um distanciamento que não se encontrava em filmes anteriores da dupla, quando o assunto é o heroísmo do protagonista. Wayne não é aquele caubói engajado, de sorriso fácil e sempre cativante, de caráter marcante e tudo mais, o que se vê é um personagem mergulhado em uma solidão que só o mesmo pode enxergar. Através de seus olhos inquietos e de suas expressões que transmitem uma amargura que incomoda, é um personagem que prefere não se enturmar ou apenas conversar, se mostrando um verdadeiro lobo solitário que buscará trabalhar sozinho e da sua maneira, apenas, em um trabalho de composição do astro maior do Western que confesso não ter conhecido ainda.
Acostumado a ver o grandalhão sorridente e sempre pronto para conquistar as platéias, admito que fiquei surpreso ao encontrar um Jhon Wayne distante, altamente concentrado em sua missão, sem mencionar ainda o às na manga instaurado por Ford no último terço do longa, deixando o telespectador realmente confuso em relação ao caráter e personalidade do veterano confederado. Sem brincadeiras ou excessos cômicos, Ford rapidamente coloca o público no rastro dos índios que farão os protagonistas enlouquecerem de ódio, sendo que nada será impossível para ele no caminho que o levará aos seus inimigos. Em cada gesto, em cada tiro repleto de fúria e angustia, notamos um personagem fantástico, muito mais complexo do que estávamos acostumados a assistir, em uma composição psicológica mais profunda e dinâmica a cerca do que se passa na cabeça deste oficial do exército, após passar por tanto sofrimento com os conflitos da guerra que enfrentou, ao regressar para o lar e ter um merecido descanso, é forçado a vingar a morte de sua família e ir resgatar sua sobrinha, ou talvez, o que restou dela após inúmeros anos na posse dos índios locais.
Bem diferente do que acompanhamos em Sangue de Herói, dirigido e protagonizado pela dupla, onde víamos um personagem sempre aberto aos diálogos com os índios da região, aqui vemos em Ethan Edwards justamente o contrário, um mar de fúria que pode explodir a qualquer instante, principalmente quando este empunha sua arma, levando em consideração que o protagonista parece acreditar e confiar mais nas balas do que em palavras. Com alguém tão complexo e porque não dizer perturbado, que embarcamos em uma aventura de cão e gato capaz de causar frisson de nervoso, adrenalina esta que á transmitida com a eficiente condução de um dos maiores contadores de história que o cinema já viu. Capaz de deixar todos atentos por mais de duas horas, interessados e praticamente sem piscar, merece todo o reconhecimento e elogios daqueles que gostam de uma trama bem amarrada, imersa a uma emoção indescritível, sentida através de uma história maravilhosamente perigosa e envolvente. Devemos nos render também ao esplêndido trabalho de fotografia, que ilustra um oeste sem igual, com passagens externas que só os faroestes de Ford conseguem transmitir.
Se Ford constrói uma história devastadora, um resgate improvável que todos apontam suicídio certo, e Wayne desenvolve um dos protagonistas mais complexos de sua carreira, o ponto fraco de Rastros de Ódio reside nos personagens secundários que dão suporte aos personagens centrais. Perdem-se minutos preciosos com uma verdadeira mistura de elementos que não fazem o filme caminhar, mas sim o deixa levemente menos interessante, do que quando o foco é o desbravamento do oeste primitivo na busca do resgate de Natalie Wood. O relacionamento superficial do parceiro de Ethan com uma garota que se apaixonara por ele é algo que poderia ter ficado de fora, pois além de não inserir absolutamente nada de importante à história, enfraquece a atenção e prejudica o ritmo do filme, que ora ou outra encontra certos empecilhos como estes. Excetuando tais passagens desnecessárias, o restante da produção e do elenco é fascinante, e contribuem de maneira impressionante na concepção da personalidade conflituosa do protagonista, onde sempre estão focados no mesmo objetivo ou batendo de frente com o grandalhão.
Rastros de Ódio possui um desfecho inesquecível, uma melodia que parece fazer todo o sentido ao subir dos créditos finais, fazendo-nos compreender melhor a mente de um protagonista que a todo mundo, fez questão de blindar tal visualização do público. Wayne agindo como um verdadeiro anti-herói, em determinados momentos dá se a impressão que o final da trama será devastador para certos personagens, em um truque que vem diretamente da mente sábia de um gênio, que é Ford. Aquele padrão de caubói que nos acostumamos a gostar ao longo de uma carreira brilhante, o jeitão descontraído de alguém que parece brincar em meio aos mais perigosos e rápidos atiradores do velho Oeste, de fácil empatia e aceitação, aqui é totalmente engolido por alguém que não descansará até se vingar dos índios que mataram e seqüestraram membros de sua família, em momentos que dá para se perceber, claramente, Rastros de Ódio em seus olhos.
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