ÍCONE DA CULTURA POP E DO CINEMA, ROBOCOP É O QUE HÁ DE MELHOR NO CINEMA DE PAUL VERHOEVEN: LIBERDADE, CORAGEM E CONTEÚDO.
Vinte e sete anos atrás, o cineasta holandês Paul Verhoeven dava início a sua caminhada para estabelecer-se como um dos grandes realizadores de cinema de sua geração. Do final da década de 80 até o final dos anos 90, Verhoeven dirigiu grandes sucessos e alguns clássicos que tornaram-se referências citadas até os dias de hoje. O Vingador do Futuro (Total Recall, 1990), Instinto Selvagem (Basic Instinct, 1992), ShowGirls (idem, 1995), Tropas Estelares (Starship Troopers, 1997) e O Homem Sem Sombra (Hollowman, 2000) são alguns dos grandes títulos que levam o nome de Verhoeven estampado na capa. Invariavelmente, Verhoeven aborda os rumos, os dogmas e as diretrizes da sociedade em seu âmago, mostrando sua decadência geralmente provocada pelo capitalismo desenfreado, a privatização dos recursos e a centralização do poder, resultando na banalização e desvalorização da vida humana. Em todos os seus filmes, Verhoeven coloca seus personagens, incluindo seus protagonistas, como vítimas das circunstâncias e não os poupa. Verhoeven ão tem pena deles. Talvez o maior exemplar de sua visão de cinema seja o seu filme de estréia em Hollywood: Robocop - O Policial do Futuro (Robocop, 1987), um verdadeiro clássico da ação/ficção, recheado de violência, ação e críticas. Um tapa na cara da sociedade que se projetava no final daquela década.
Em uma Detroyd fictícia (mas nem tanto) tomada pelo crime, a prefeitura contrata a mega-empresa OCP para administrar a polícia, afim de retomar o controle das ruas - onde os policiais vêm sendo massacrados dia após dia - e evitar uma iminente greve dos funcionários do setor. Na verdade, tudo faz parte de uma mega conspiração da OCP que financia o crime na cidade com o propósito de enfraquecer a a polícia e a confiança do povo nela e na cidade, para pôr em prática seu projeto de construção da Delta City, uma cidade inteiramente planejada e com um alto custo de vida, no lugar onde hoje fica o que eles chamam de "Velha Detroyd". Com o poder e a confiança na polícia abalados, a OCP pode iniciar seu outro projeto: o de substituir os policiais por robôs para baratear os custos, já que estes não comem, não dormem, não cansam nem ponderam suas ações baseados em julgamentos e situações, apenas seguindo suas diretrizes. Com o projeto ED 209 apresentando alguns problemas (nada de mais, apenas fuzilou um executivo em seu primeiro teste diante do presidente da empresa), um dos engenheiros executivos recebe autorização para levar adiante seu projeto Robocop, que consiste em usar um policial "modelo" como base na construção de um ciborgue à serviço da lei. Assim sendo, o destemido e íntegro policial Alex Murphy, recém transferido, marido dedicado e pai carinhoso, vítima de uma tragédia nas mãos do crime organizado, acabou sendo a escolha mais do que perfeita para dar início ao projeto, ornando-se o primeiro (e único) Robocop.
Para ajudar a situarmo-nos neste ambiente e entender por completo o contexto em que o filme está inserido, Verhoeven vale de três artifícios, os quais usa com perfeição. O primeiro deles é a violência. Se tivesse sido lançado hoje, dificilmente atingiria o mesmo sucesso (lembrando que do filme vieram desenhos, gibis, seriados, camisetas, videogames, bonecos e tudo mais que se possa imaginar), devido ao alto grau de violência que permeia durante toda a projeção. Nos tiroteios não só sangue, mas também pedaços de carne voam na tela sem o menor pudor. Assim como em Total Recall, a câmera de Verhoeven não nos poupa e foca na violência. Não há desvios de enquadramento, não há cortes, não há covardia. Detroyd é uma cidade violenta, portanto, Robocop é um filme violento. E essa violência toda não é gratuita em momento algum. Muito pelo contrário, é justificada por tudo o que envolve a atmosfera do filme. Algumas destas cenas são extremamente violentas, como as mortes de Murphy e Emil, podem ser até repugnantes para os de estômago mais fraco. Outro instrumento muito bem empregado pelo diretor no filme é o conflito de interesses entre os poderosos da mesma empresa, no caso a OCP. Em mais de uma oportunidade, acompanhamos ferrenhos diálogos entre os vilões, por assim dizer, em que seus objetivos entram em conflito, impulsionando a ganância e a guerra pelo poder. O terceiro e mais interessante artifício usado pelo diretor é a imprensa marrom e sensacionalista até dizer chega. Porque o mais interessante? Pelo modo como foi empregado no filme. Diversas vezes ao longo de Robocop, o filme é "interrompido" para acompanharmos as manchetes do noticiário. Esses boletins não apenas nos informam da situação em que a sociedade se encontra, como também estabelecem o sentimento de indiferença dos órgãos responsáveis pela gestão pública diante deste cenário. Dentre 113 mortos em uma catástrofe, devemos chorar apenas a morte de dois ex-políticos? Segundo o noticiário, sim. Este recurso também foi bem usado pelo diretor brasileiro José Padilha em seu remake (Robocop, 2014), sendo utilizado no formato "Brasil Urgente" e "Linha Direta" que infectam o jornalismo não só brasileiro, mas mundial. Usando a imprensa desta forma crítica e até irônica, Verhoeven torna Robocop um dos poucos scyfy de ação inteligentes lançados dos anos 80 pra cá. Coisa de quem sabe o que faz mesmo. Verhoeven ainda abusa da fotografia escura e cenário desolado, enriquecendo aquela sensação incômoda que nos acompanha até o final do filme, principalmente nas cenas de Robocop com a face humana exposta. Difícil focar nela, assim como desviar o olhar dela
Existe ainda uma pequena vertente dramática em Robocop que é sua busca por seu auto-redescobrimento. O cyborg Robocop parte em uma jornada para conhecer o homem Alex Murphy. Enquanto simples produto da OCP, Robocop não possui qualquer traço de humanidade identificável, mas depois de seu encontro com Emil no posto de gasolina, não só as lembranças de seu atentado como também de sua vida familiar vêm à tona e inicia-se uma busca pelo auto-conhecimento, de maneira nem tão profunda, é verdade, mas bastante inteligente.
Peter Weller, que interpreta tanto Murphy quanto Robocop, está excepcional. Dando vida ao protagonista empolgado, que não perde tempo em mover-se contra o crime, o ator consegue uma movimentação perfeita sobre a couraça metálica na forma de robô. A forma como Robocop muda de direção ao caminhar, virando primeiro a cabeça e depois o tronco – ou virce e versa – tornou-se marca registrada e alimentava a imaginação das crianças da minha geração (nasci no ano de lançamento do filme) que imitavam seus movimentos lentos e pesados.
Com um orçamento na faixa dos U$13 milhões, Robocop faturou algo em torno de U$ 54 milhões e acabou sendo indicado ao Oscar nas categorias de Melhor Montagem e Melhor Som, mas acabou sucumbindo ao grande filme daquele ano, O Último Imperador (The Last Emperor, 1987), de Bernardo Bertolucci – embora eu acredite que isso só ajudou o filme, pois tornou Robocop um ícone do cinema e um clássico-cult reverenciado até os dias de hoje. Um clássico absoluto do cinema.
Porra Cristian, tava escrevendo 3 textos. Um pra cada Robocop aí você me vem com esse material. hahahah Muito bom. Ponho os meus em breve. Robocop é um dos personagens fantásticos mais bem criados na história do cinema. Clássico absoluto de um diretor que lança o seu olhar como um grande foda-se ao politicamente correto. Obra-prima.
Ô, Ted, tô aguardando teu material. Resolvi escrever sobre todos porque achei interessante a diferença de trato que cada diretor deu pro personagem - nem preciso dizer que Verhoeven destrinchou, né?
Abraços, meu amigão!!!
Beleza mestre. Esta semana já os ponho por aqui. Valeu. Verhoeven é foda pra cacete, politicamente correto pro espaço. Ps: fico puto quyando chamam a década de 80 como a década perdida. A década da ressaca cabe melhor. =]
Concordo com tudo. A década de 80 foi mágica por que qualquer bosta tinha algum valor.
Vou ficar de olho esperando seus comentários, meu velho.
Abraços!!