NÃO É UM VERHOEVEN, MAS TÁ VALENDO
Dado o enorme sucesso de Robocop – O Policial do Futuro (Robocop, 1987), de Paul Verhoeven, não foi surpresa alguma ver uma seqüência chegar às telonas apenas três anos após o lançamento do original. Robocop 2 (idem, 1990) não chega aos pés do clássico original, mas possui inúmeros pontos fortes – e tantos outros fracos.
O elo com o primeiro filme e o espectador já começa a ser estabelecido nos primeiros minutos, quando percebemos o primeiro ponto favorável de Robocop 2: a manutenção do elenco. Toda a equipe está de volta em seus respectivos papéis, com destaque – obviamente – para Peter Weller que, mais uma vez, dá show de interpretação sob a maquiagem pesada e couraça metálica do Robocop (que levava quase 10h para ser montada). Robocop, sem sombra de dúvidas, é o papel da vida de Weller. E não é um papel fácil. Basta olhar o trabalho de Robert Burke no terceiro filme para perceber.
Desta vez, além da OCP tentar mais uma vez derrubar o governo de Detroyd para a construção da tão sonhada Delta City, a cidade enfrenta uma nova ameaça: Nuke, uma nova droga que tomou conta das ruas, desencadeando ainda mais crimes e violência. Para piorar, a polícia de Detroyd entrou em grave (possibilidade bastante explorada no primeiro filme) em virtude do corte de seus salários a pensões por parte da OCP. Apenas alguns poucos membros da corporação continuam exercendo a função, muitos corruptos e até mesmo viciados na tal droga Nuke. Mas para o azar de Cain (Tom Nanoon), traficante responsável pela criação e comercialização da droga, Alex Murphy (Peter Weller) e Anne Lewis (Nancy Allen) continuam patrulhando as ruas em busca de crimes em andamento. Ao mesmo tempo, o prefeito Kuzak (Willard Pugh) tenta desesperadamente arrecadar uma quantia de mais de US$ 37 milhões para pagar a dívida com a OCP, ou a cidade terá seus recursos penhorados e a mega-corporação tornar-se-á dona de Detroyd. Para isso, o prefeito aceita, inclusive, negociar com os ex-comparsas de Cain, Hob (Gabriel Damon) e Angie (Galyn Görg), que oferecem uma quantia inicial de US$ 50 milhões para que a prefeitura sane suas dividas e combata o crime, mas que deixe os vendedores de Nuke em paz. Enquanto isso, na OCP, o presidente da empresa, tratado desde o primeiro filme apenas de O Velho (Daniel O’Herlihy) está prestes a pôr em prática a construção de Delta City, mas precisa retirar uma última barreira em seu caminho: Robocop e a fé dos cidadãos nele. Para tanto, ele autoriza a Dra. Juliette Faxx (Belinda Bauer) a reprogramar o Robocop para que ele aja de uma forma que desperte a desconfiança da população, bem como a dar início ao ousado projeto Robocop II, na qual a Dra, Faxx pretende utilizar os restos mortais (cérebro) de criminosos, e não de policiais como no projeto original, mesmo contra a vontade do vice-presidente executivo Donald Johnson (Felton Perry).
Como pode-se notar, o roteiro de Frank Miller (ele mesmo) e Walon Green é bastante abrangente, mas nem por isso (ou até mesmo por isso) escapa de cometer alguns deslizes importantes. Com tantos personagens e estórias paralelas, não há tempo suficiente para o desenvolvimento e a apresentação de alguns personagens. Cain, por exemplo, não possui qualquer background. Apenas sabemos que ele é um bandido e é mau. Por vezes, ele fala religiosamente, mas não sabemos o porquê. De onde ele tirou todo o seu conhecimento em química para criar a droga Nuke? E Hob, como ele entrou naquele mundo de crimes ainda tão jovem? Ele é braço direito de Cain? Seu pupilo? Por que alguns vereadores se reúnem com assessores da OCP e ao mesmo tempo ajudam o prefeito? Todas perguntas sem respostas. Outra que sofre um pouco os reflexos do roteiro é Lewis, que aparece muito pouco neste filme e quando está em cena, não tem aquele mesmo papel de ‘’norte’’ para o protagonista. O roteiro ainda tenta esboçar uma explanação do drama vivido pela ex-esposa e filho de Murphy, a quem ele anda vigiando. Os diálogos com o advogado da OCP e com a Sra. Murphy são carregados de teor dramático, mas este dilema é abandonado logo em seguida. A impressão que o roteiro de Robocop 2 (que não é ruim, mas sim pouco explorado) passa é de que o filme carece de foco e de mais tempo de projeção para amarrar tantas linhas. Para finalizar sobre o roteiro, outro pequeno vacilo: a tentativa de colocar Hob e Angie quase como mocinhos, próximo do final, com direito a uma morte tocante e emocionante para um deles, foi uma atitude um tanto covarde.
O diretor Irvin Kershner (Star Wars Episódio V - O Império Contra-Ataca) fez bem o seu trabalho e compreendeu o legado deixado por Verhoeven. Robocop 2 é um filme tão violento quanto o original. Tiros despedaçam corpos, sangue em abundância, pessoas são espancadas nas ruas, crianças arruaceiras batem em idosos com bastões de baseball ou presenciam chacinas, bandidos matam mães com seus bebês no colo, pessoas são mutiladas, cérebros expostos, etc. Tudo mostrado sem o menor pudor. O uso da imprensa também se faz presente novamente, mas de forma bem menos enfática como no filme de Verhoeven (mas não deixa de ser irônico o comercial de protetor solar que usado em excesso pode causar câncer de pele!!!). A crítica ferrenha ao capitalismo corporativista imperialista continua extremamente forte, com a inserção de um novo elemento: o tráfico de drogas, que como sabemos, é financiado por muitos governos. Além de continuar batendo na tecla de alerta para que muitos governantes tomem cuidado ao assinarem contratos com mega-empresas para que não fiquem nas mãos delas (alguém pensou nos pedágios?).
Este Robocop conta com algumas passagens bem curiosas, como na inusitada – e empolgante – perseguição à Cain onde Robocop anda de motocicleta (terá saído daí a inspiração de José Padilha?), ou ainda a engraçada, mas não menos constrangedora passagem de Robocop reprogramado para ser o mais politicamente correto possível (onde Weller dá um verdadeiro show de talento e carisma) e o período em que Murphy passa pela reconstrução após o ataque da quadrilha de Cain (mais no próximo parágrafo). Tanto diretor, quanto roteiristas merecem os créditos pela ousadia, tendo ela atingindo seus objetivos ou não. Um pouco de coragem é sempre bem-vinda.
Tecnicamente o filme é bastante irregular, contando com trabalhos muito bons e outros bem decepcionantes. A sonoplastia, por exemplo, é bem ruim. Os sons dos movimentos do Robocop continuam muito bons, mas os demais efeitos, como o som de impactos e colisões e até mesmo de queda livre estão horríveis e bastante cartunescos. A edição de William Anderson oscila demais ao prolongar demais certas passagens desnecessariamente (como a cena do desmanche do Robocop, do ponto de vista do protagonista e os planos fechados no monitor do Robocop II) e cortar muito precocemente certos closes em cenas de maior dramaticidade (como no reencontro de Murphy com sua esposa e seus flashbacks). Está certo que esta seqüência investe muito mais na ação do que os outros dois filmes da franquia original, mas a trama de Robocop é bastante rica e complexa e merece ser explorada verbal e visualmente. Já a música de Leonard Roserman está muito boa, principalmente o tema do clímax e o de encerramento, já nos créditos finais. E a fotografia suja e escura, poluída positivamente por Mark Irwin, está tão boa quanto no primeiro filme, o que ajuda bastante nas cenas onde o stop-motion se fazia necessário. Mas o destaque da produção do filme fica, inegavelmente, para o boneco mecânico utilizado na passagem onde o Robocop é desmanchado pelos capangas de Cain e depois reconstruído na OCP. Um ótimo trabalho de robótica com um robô praticamente idêntico a Peter Weller – com exceção da cor dos olhos, que do ator são azuis e do boneco são castanho-escuro.
Uma curiosidade bacana é ver, logo na cena de abertura, no comercial do Magnavolt (um tipo de sistema de segurança para automóveis que eletrocuta o ladrão), o bom ator John Glover (que fez mais sucesso em séries de TV, principalmente como Lionel Luthor de Smallvile) em uma pontinha no início da carreira.
Robocop 2 não consegue se equiparar ao clássico de Paul Verhoeven, mas cumpre bem o papel de uma continuação e expande o universo da trama, apresenta novos personagens e possui muitas qualidades como filme ‘’isolado’’. Motivos de sobra para fazer deste, mais uma boa pedida para quem é fã do gênero e do personagem.
Uma sequencia era inevitável e por incrível que parece sair melhor que o esperado. Curioso que o renomado e saudoso Irvin Kershner só dirigiu continuações na carreira esse aqui, "Star Wars V" e uma sequencia do 007. ótimo texto Cristian parabéns como sempre nê, rsrsrs...
Ótimo texto concordo com quase tudo, mas não senti necessidade de certas explicações de certas passagens, como a origem de Cain. O grande lance, a meu ver, é deixar um ar de mistério na sociopatia dele aliado a tudo o caráter messiânico dele o que torna tudo sinistro e irônico. Achei espetacular. Mas sou suspeito pra comentar talvez? Acho esse melhor que o original. hehe Dou nota 10.
ssa é uma das poucas sequencias que eu gosto em um nível próximo do original. Muito obrigado, gente
Ótimo texto! Sobre Cain, veterano da guerra do amazonas, onde tem usinas nucleares, laboratórios e instalações militares. Minha teoria é que ele enquanto fazia atrocidades na guerra e dentre tantas dessas missões, encontrou uma especie de planta "estimulante/alucinógena" e acabou ficando perdidamente viciado e louco.. e foi o que ele levando ele a côrte marcial.. Nesse mesmo período na Amazônia ele conhecera Dr. Frank (Frank Miller) em um possível laboratório militar, sintetizaram e criaram a droga Nuke. Após ser expulso do exército, aproveitou da greve da policia e escolheu Detroit como uma boa oportunidade de negócio. Ganhou muito dinheiro e poder se revelando um vilão tão perverso quanto Clarence Boddicker... manipulando, explorando, matando crianças e mulheres friamente. Só acho que subestimaram e suprimiram o trabalho do Frank Miller, o que há de bom nesse filme é do Frank, mas concordo que na ideia geral faltou explorar mais os personagens e melhorar os efeitos especiais.