“Adrian! Adrian!”
A história de Rocky, Um Lutador e do próprio Sylvester Stallone, intérprete do personagem título se confundem entre si a ponto de tornar toda a série do garanhão italiano uma imensa obra autobiográfica. Do primeiro filme feito no braço, retratando a subida de um desconhecido ao topo em sua arte/esporte, ao último que revela um homem calejado com os tombos da vida lutando para se manter em pé e ser lembrado pelas conquistas do passado, passando é claro, pelo auge de ator/personagem, onde o deslumbramento com o próprio alcance em seu meio o tornou uma figura não que não mais refletia o sujeito humilde e batalhador que começara toda a história. Dito isso, é inegável que, se a carreira de Stallone e a série Rocky têm altos e baixos, é nesse primeiro filme que o ápice de ambos foi alcançado em uma obra sensível e marcante que, muito mais interessada em seus personagens e seus dramas do que em representar um filme de luta, gravou seu nome na história do cinema ao se tornar um dos maiores sucessos de sua época, vencendo inclusive o Oscar de Melhor Filme.
Escrito pelo próprio Stallone em apenas três dias, após o ator assistir uma luta em que o desconhecido Chuck Wepner aguentara quinze rounds contra o campeão Muhammad Ali, Rocky, Um Lutador é o papel de sua vida e o futuro astro já sabia disso ao recusar milhares de dólares pelo roteiro para poder interpretar o protagonista de sua história. Valeu a pena. Stallone interpreta o boxeador do título, um boxeador amador da Filadélfia que divide seus dias entre o trabalho de cobrador de um agiota e as lutas de bairro do esporte onde parece não conseguir nenhum grande avanço, mas que lhe dá o prazer de praticá-lo. É então que o campeão mundial dos pesos-pesados, Apollo Creed (Carl Weathers) lhe oferece a oportunidade de uma luta entre os dois, algo que aliado ao romance que inicia com a tímida e introspectiva Adrian (Talia Shire), parecia apontar para novos rumos em sua vida.
Em um país pós-Watergate e pós-Vietnã, Rocky, Um Lutador é a representação do american dream que todos precisavam naquele momento. É o feel good movie que todos correram para assistir para lembrar que na “terra das oportunidades” todos teriam um dia sua chance de se levantar e chegar ao topo almejado. Não é para menos, afinal a própria produção do filme é um esforço conjunto de Stallone e do diretor John G. Avildsen para alcançar seus objetivos, lutando contra a falta de dinheiro e recorrendo ao improviso mais vezes do que imaginado para alcançar o resultado final visto na tela. E é interessante observar como muitas das cenas aqui vistas refletem essa batalha diária para manter um orçamento apertado, do roupão extra-grande de Rocky, que se tornou uma piada por não haver dinheiro para fazer outro, até uma breve cena em que um figurante atira uma laranja para o boxeador e que precisou ser mantida na montagem final por não haver ver para uma refilmagem.
Não que isso torne Rocky, Um Lutador um filme amador ou “feito nas coxas”, longe disso. Essa é uma obra de primeira, recheada de qualidades artísticas, que vão dos atores extremamente bem escalados (mais sobre isso em algumas linhas) aos quesitos técnicos em sintonia com a narrativa, onde destacam-se o design de produção e a fotografia, que trabalham as cores frias ressaltando a melancolia do inverno americano e da própria existência humilde e sem grandes perspectivas de Rocky e Adrian. Essas cores, por outro lado, logo são subvertidas em tons mais quentes e aconchegantes a medida que a relação de ambos se intensifica, culminando em um terceiro ato onde o cinza, azul e branco já estão quase extintos da atmosfera do filme.
Naquela que é, sem dúvidas, a melhor atuação de sua carreira, Sylvester Stallone comprova que sim, possui talento dramático, interpretando Rocky Balboa como um homem de fala calma e patente inocência, tornando o personagem alguém com quem a identificação vem de maneira fácil – e ver a humildade do boxeador, que ao subir em um ringue para enfrentar o campeão mundial mal contém a admiração pelo adversário. Dono de um preparo físico excepcional, que marcaria toda sua carreira (e ainda hoje, beirando aos setenta anos, Stallone permanece fisicamente respeitável), Stallone se sai particularmente bem ao retratar o exaustivo treinamento de Rocky para sua luta mais importante, mas também confere peso aos momentos de vulnerabilidade do personagem, como ao estourar dentro de um frigorífico e socar incessantemente uma costela bovina ou ao discutir com seu treinador. Mas talvez seja na sua expressão desolada na noite que antecede a grande luta que Stallone consegue evidenciar o quão bom é, não precisando de palavras para expressar tudo que o personagem sente naquele momento.
Marcado por um elenco de apoio em sintonia com seu protagonista, Rocky, Um Lutador apresenta ainda desempenhos de qualidade de Burt Young (como Paulie, melhor amigo de Rocky e irmão de Adrian), Burgess Meredith (o treinador Mickey) e Carl Weathers (como o boxeador Apollo), mas é mesmo em Talia Shire e sua doce Adrian que o filme encontra o seu segundo grande destaque. Emprestando para a personagem a doçura juvenil que também se faz presente no protagonista e uma acentuada introspecção, Shire gradativamente nos faz vislumbrar pequenas mudanças na personalidade de Adrian após juntar-se a Rocky, conseguindo ainda estabelecer uma química sensacional com Stallone, compondo um dos mais adoráveis casais do cinema.
Contando com algumas das cenas mais memoráveis da série, entre as quais se destacam a patinação de Rocky e Adrian, a montagem com o treinamento de Rocky (algo que ficaria marcado, sendo repetido no restante dos filmes da série), Apollo comemorando a vitória quando o garanhão italiano surpreende a todos e se levanta chamando-o para a luta, um furioso Balboa socando costelas no frigorífico e claro, o encerramento do longa, o chamado pelo nome da pessoa que se ama e a declaração desse amor. Além disso, é difícil não destacar a belíssima trilha sonora composta por Bill Conti, que utiliza a marcante “Gonna Fly Now” de maneira brilhante, impondo variações no instrumental da canção conforme a natureza das cenas que acompanha, assim se ora a música surge melancólica acompanhando a corrida de Rocky pela madrugada, logo ela retorna triunfante para marcar uma nova corrida do boxeador.
Indo muito além de um simples filme de boxe, Rocky, Um Lutador é sobre não desistir dos sonhos. Sobre ficar de pé e continuar tentando. Sobre amor. É sobre como vencer só vale a pena se você tiver quem chamar no momento da vitória para comemorar ao seu lado. É sobre boxe também, claro. Mas, ao contrário de muitos longas que vemos por aí, o clímax de Rocky, Um Lutador não está no confronto entre os dois boxeadores em cima do ringue, mas sim, no abraço apaixonado do casal protagonista, embalado por uma simples, porém bela declaração de amor. É nesse momento que o longa atinge seu ápice, numa cena mais emocionante do que qualquer nocaute jamais vai ser.
Caralho velho que texto alucinante hein!
Opa, valeu, Lucas :)
É o mínimo que esse filme merece, que bom que consegui hahaha
Rocky é um dos meus filmes favoritos