Assistir ao novo filme de Woody Allen nos cinemas já é um culto, uma rotina para tantas e tantas gerações que ao longo de todos esses anos acompanharam a longa e profunda carreira do cineasta estado-unidense. Mas desta vez, ao assistir Roda Gigante (Wonder Wheel, 2017), o arquétipo de que “um Allen mediano é sempre um Allen”, ou que “Woody em sua pior forma ainda é melhor que a média” simplesmente não funcionam, porque não servem. Quero dizer com isso que é mais um marco na carreira do cineasta, um atestado do que ele ainda é capaz de fazer, pelo menos depois de seus 3 ou 4 filmes razoáveis (ainda que sempre tivessem algo a mostrar). Não que Woody Allen precise provar algo para ninguém, mas a arte é assim, cobra de você o renascimento, o florescer de novas capacidades. E nisso, este carismático cineasta nova iorquino, viveu provando do que é capaz.
Kate Winslet, outra veterana, embora não esteja no ramo há tanto tempo quanto Allen, é outra artista que já tem uma carreira brilhante, parecendo sempre haver pouco a acrescentar. Mas assim como Woody muitas vezes representara, Winslet aparece como uma Ginny em crise de meia-idade, se apoiando em seu amante mais novo, o salva-vidas e estudante Mickey (Justin Timberlake), dando uma profundidade mais melancólica para a sua personagem: além de estar traindo o seu marido que mais lhe apoiou, precisa lidar com a chegada de Carolina, que vê em sua madrasta uma segunda mãe, mas que pelo destino, ou coisa parecida, acabam se encontrando em um furacão de sentimentos perversos. A chegada de Carolina será o último teste da vida de Ginny, que mesmo não sabendo, terá que reavaliar tudo ao seu entorno com a chegada de uma mulher mais nova que ela na casa – já que o problema de Ginny é justamente o seu despreparo com a chegada dos 40 anos.
Ginny ainda vê em seu marido, um homem que bebe e lhe bate (ainda bem que isso é só nos filmes, não é mesmo camaradas?), um homem que tudo perdoa em Carolina, tornando-se um problema, deixando-lhe os maiores luxos, tanto financeiros quanto do trabalho que precisa fazer dentro e fora de casa. Aí cria-se mais uma instabilidade dentro de Ginny, comandada por uma Winslet dentro do tom, apaixonada, ofegante, triste, cansada e suicida. Estando essa personagem dentro das grandes mulheres que Woody criou vida nas telas, junto com Blue Jasmine, Alice, Annie Hall, etc. Dentro e fora de seus limites, Ginny e Caroline são as donas do filme, estando Timberlake apenas como um narrador dos acontecimentos, mostrando que o cineasta aprendeu com o tempo a lidar com personagens femininas, principalmente depois do contato artístico com Mia Farrow.
No momento o filme tem a pífia nota de 6,3 no IMDB, com 5.069 votos, com críticas não tão positivas e entusiasmadas sobre Wonder Wheel, que em tradução literal significa Roda Maravilhosa, e não Roda Gigante, que no inglês é Ferris Wheel, dando uma expressão linguística talvez intraduzível para o português, algo como a vida desses personagens, que gira de forma maravilhosa, ao menos como a vida costuma ser, e não como estes sonham que seja. Enfim, mas não apenas de notas vive um filme, como eu já disse, a força de Wonder Wheel, de sua cinematografia, de seus diálogos (há um momento em que Winslet fala para a câmera, desabafando sobre a sua triste realidade, que é uma das cenas mais dramaticamente bem montadas da carreira do cineasta) e de sua estória – que traz bastante os velhos cacoetes de Woody, mas de certa forma bastante remodelados - é que são fantásticos, Wheel.
Cinematografia? Construção cênica? Fotografia? É, a linha do tempo de Woody Allen traz a fotografia outonal, o preto e branco de época, o expressionismo alemão, as cores cinzas de Bergman, o clássico pomposo do iraniano Darius Khondji; mas as luzes neon, que representam o cinema de forma bastante plástica e imponente desde os anos 1970, voltando com mais força nestes anos pós 2010, ainda não havia entrado no repertório de Woody, que graças a Vittorio Storaro (o culpado por Reds, Apocalipse Now, O Conformista e 1900), são colocadas com louvor. Durante o passar do tempo, podemos observar uma luz dourada reforçar os cabelos loiros de Ginny e Carolina, que me lembra bastante a luz amarelo envelhecido que batia sobre Susan Sarandon em Atlantic City (1980), de Louis Malle. Expressando os sentimentos à flor da pele, falando muitas vezes para os personagens, funcionando como seus pensamentos, como se suas peles fossem camaleônicas, deixando transparecer o ódio e o amor que sentem. É também através de Storaro que Woody se parece bastante seguro para ousar com a câmera, como quando faz longas cenas sem edição, entrando e saindo de cômodos da casa, subindo e descendo do posto de salva-vidas do poético e interesseiro Mickey.. Seria uma visita a Douglas Sirk? A sua forma de olhar a sociedade dos EUA na década de 1950, com suas cores potentes, é bastante semelhante a desta visita a Coney Island, no Brooklyn.
Há também muito do clássico teatro grego por aqui, que talvez em uma revisitada pareça bem mais destacado, desde a entrada da atriz Juno Temple em cena, apresentada de forma teatral pela narração de Timberlake, até todo o contexto de roda gigante (aí sim), que parece levar os personagens a um turbilhão de problemas e soluções para colocá-los no mesmo lugar novamente, como no Eterno Retorno, para baixo e para cima certamente, mas sem nunca sair do círculo. Tanto para Ginny e para Caroline, que para seus maridos controladores e seu amante em comum, que é Mickey, as decisões tomadas parecem se apresentar entre o dionisíaco e apolíneo, isto é, entra o caos e a embriaguez (até mesmo o medo e a violência) para o harmônico e claro, apresentada na figura clara e poética do jovem. Woody Allen não parece crer em destino, realmente é algo que parece não ter muito sentido. No entanto, parece ser algo bastante semelhante ao destino que faz alguns seguirem vivos e outros nem tanto, ao final brilhante do filme. E no fim das contas todos parecem apenas crianças brincando com o fogo, tomando atitudes apenas para observar e ver o que acontece, tal como o alívio cômico do filme, representado pela figura de um teimoso garoto que adora queimar diferentes objetos e prefere fugir ao cinema para escapar da dura realidade da, tal como você, que lê-me; tal como Woody, a qual assistimos sempre com um sorriso no rosto e algumas lágrimas no olhos. Que seus 82 anos possam se tornar 100.
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