Recentemente, quando Michael Schumacher, heptacampeão de Fórmula Um e lenda viva do esporte mundial, sofreu um acidente de esqui e entrou em coma induzido, levantou-se uma questão: por que o alemão continuava, mesmo depois de aposentado para o automobilismo, a praticar esportes de risco? Não apenas ele, mas vários outros ex-pilotos simplesmente não conseguem parar de viver sem o risco e a emoção que o esporte a motor os oferecia. A década de 1970, ambiente do filme "Rush" (2013), de Ron Howard, é chamada de “era romântica” do automobilismo, quando acidentes fatais eram comuns, carregava todo esse “espírito” que o automobilismo pode proporcionar.
O enredo do filme é o seguinte: o britânico James Hunt (Chris Hemsworth) e o austríaco Niki Lauda (Daniel Brühl) são pilotos de Formula Um, rivais desde as categorias de base. São personalidades completamente opostas, refletindo no estilo de pilotar de cada uma: Hunt, beberrão, mulherengo e, aparentemente, pouco compromissado com o trabalho, pilota de maneira extremamente agressiva, expondo-se aos riscos do esporte. Isso mostra que o inglês pilota por paixão, pelo prazer em viver no risco. Já Niki Lauda é um sujeito frio, reservado, pouco afeito às festas, que guia o seu carro de maneira burocrática, evitando riscos e visando resultados e está sempre disposto a passar horas com os mecânicos acertando o carro até a sua última peça (essa rivalidade pode ser comparada, em alguns aspectos, à de Senna e Alain Prost). Rixa essa que ultrapassava os limites do circuito, chegando a afetar os relacionamentos amorosos dos pilotos.
O roteiro, escrito por Peter Morgan, que já havia trabalhado com Ron Howard antes no indicado ao Oscar “Frost/Nixon” apostou em algo arriscado: rechear o filme de cenas de corridas. Essa ideia foi ousada porque poderia deixar a película cansativa, porém o diretor, com maestria, conseguiu manter todas as sequências de ação empolgantes, fugindo do erro que é exaustivamente cometido pelos diretores dos recentes filmes de ação, embora em "Rush", essas cenas servem mais para dar uma carga extra de emoção à história.
As cenas de corrida, aliás, são um show a parte. A fotografia se destaca, intercalando cenas de todos os ângulos possíveis, desde a câmera “onboard”, como se o espectador estivesse, de fato, vendo uma corrida na tevê, até a que simula a visão do piloto dentro do capacete. Outro atributo do filme que brilha é a direção de arte. Os cenários das corridas são belíssimos, trazendo vários circuitos que marcaram a história da Formula Um, como Paul Ricard, Nürburgring, Brands Hatch, Monza e Interlagos (esse último merece uma destaque especial pelo desfile de Carnaval no autódromo antes da corrida que, acredite, não é uma visão estereotipada, acontecia mesmo!)”. O som é mais um ponto forte dessas cenas e, consequentemente, do filme. O ronco dos motores foi, para que é fã de automobilismo, foi uma trilha melhor do que qualquer trabalho que John Williams poderia fazer para esse filme. Ele não só dá um tom de realismo extraordinário ao filme como também serve de trilha sonora para as cenas de corrida. Mas também se deve dar uma crédito à Hans Zimmer, que fez um bom trabalho na trilha “convencional”. Ainda com relação à trilha sonora, vale citar ainda as músicas de vários artistas que tocaram durante o filme, como o rock do Thin Lizzy e do David Bowie (músicas que realmente combinam com o automobilismo) e, ainda que seu nome não apareça nos créditos, a brasileira Clara Nunes, na sequência do Grande Prêmio do Brasil. O figurino também ficou excelente com um ponto a ser destacado: os patrocínios de, como diria o primeiro chefe de equipe de James Hunt, “preservativos e cigarros vulgares” apareceram, sem nada para tentar disfarça-los, mostrando o quão politicamente incorreto o automobilismo era.
Ainda na parte técnica do filme, vale destacar a maquiagem que Brühl recebeu depois do acidente de Niki Lauda em Nürburgring Nordschleife. Essa sequência é, aliás, o clímax do filme. No momento em que Niki Lauda chega ao hospital, Howard intercala cenas de suas corridas com as do seu atendimento, mostrando que agora é que realmente Lauda está na disputa, na corrida da sua vida. Apesar de James Hunt (interpretado de maneira extremamente competente por Chris Hemsworth) ser o personagem mais carismático, com o seu jeito descontraído, Daniel Brühl, que ganhou a indicação ao Globo de Ouro por esse filme, se destaca. Ele consegue incorporar perfeitamente o jeito seco e metódico do tricampeão austríaco, em especial nas cenas em que o seu personagem é submetido a uma carga emocional maior, como nos seus embates com Hunt, no seu tratamento e, especial, nos seus diálogos com Marlene Knaus, interpretada por Alexandra Maria Lara, que cumpre bem o papel de companheira inseparável de Niki Lauda.
O ritmo de corrida, que permeia até as sequências “calmas”, é incrível. A cena final, mostrando cenas reais entre os dois pilotos, é arrebatadora. O esporte a motor nunca foi tão bem representado na sétima arte. "Rush" pode ser visto como um presente aos cinéfilos que também são fãs de automobilismo.
Excelente comentário, resumiu extremamante bem esse grande filme ...