EMOÇÃO SEM LIMITES
Não existe combustível maior para o ser humano do que o desafio. De fato, historicamente, toda vez que uma barreira se opõe ao desenvolvimento e à evolução do homem, este precisa se superar para poder crescer como espécie, ou será extinto. E que desafio maior do que a competição e a rivalidade? Após estabelecer-se no topo da cadeia alimentar com todas as demais espécies de seres vivos da Terra, o homem começou a competir entre si. Desde o surgimento das primeiras competições e práticas esportivas, sempre que um representante de qualquer modalidade surgia com um possível reinado absoluto e inalcançável, um oponente a altura aparecia para pôr a prova tal absolutismo. Recentemente, acompanhamos a história sendo escrita diante de nossos olhos com dois dos maiores jogadores de futebol de todos os tempos: o argentino Lionel Messi e o português Cristiano Ronaldo quebraram todos os recordes mundiais nos últimos anos e monopolizam todas as premiações na ultima década (pra se ter uma idéia, o prêmio de Melhor do Mundo da FIFA fica com um ou com o outro desde 2008). Mais de uma vez já lhes foi perguntado qual seria a motivação para continuarem nesta ascensão absurda e a resposta, invariavelmente, foi sempre a mesma: superar o outro. Ayrton Senna e Allan Prost. Pelé e Maradona. Rafael Nadal e Roger Federer. Exemplos não faltam de rivalidades monstruosas dentro do esporte só equiparadas em dimensão ao talento dos adversários.
Porém, se houve uma rivalidade que ao mesmo tempo assombrou e emocionou o mundo, ela ocorreu nos anos 70, na era de ouro da Fórmula 1. De um lado o bonitão playboy inglês John Hunt (Chris Hamsworth). Do outro, o metódico e astuto austríaco Niki Lauda (Daniel Brhul). O primeiro era talento puro, nascido para pilotar. Não temia a morte nem desafiá-la. Era amado e amava ser amado. Pilotava tão rápido e tão destemidamente que raramente seus carros suportavam uma corrida até o fim. O segundo era um estudioso incansável. Um perito em aerodinâmica e mecânica. Calculava seus movimentos de maneira impecavelmente precisa e por isso era praticamente invencível. Um era mortal diante de uma câmera e a frente de um microfone. O outro era um mito no comando do carro. Ambos disputariam os holofotes do mundo com uma rivalidade que transcendia os autódromos, numa disputa capaz de arruinar a vida de ambos. Mas tanto para Hunt, quanto para Lauda, o que importava era ser o melhor e provar para o outro que era o melhor.
Para transpor para a tela uma história tão intensa, um diretor experiente se fazia necessário. Ron Howard já havia realizado uma biografia tão rica quanto em 2002 com seu Uma Mente Brilhante, que contava a trajetória do gênio da matemática John Nash (Russell Crowe) que sofria de esquizofrenia. Mesmo com consideráveis alterações na adaptação (os relacionamentos homossexuais do personagem, o fato de sua mulher tê-lo abandonado para voltar só alguns anos depois e seu filho herdar sua doença foram deixados de fora e causaram – inclusive – a indignação de Crowe que declarou que “a parte mais interessante da vida de Nash ficara de fora”), Uma Mente Brilhante foi um dos melhores dramas que eu já vi. Rush – No Limite da Emoção (Rush, 2013) não fica atrás e não só emociona, como também empolga com as sequências nas pistas de corrida (e fala aqui alguém que não gosta de automobilismo). Mesmo com pequenas alterações, Rush é, além de um filmaço, uma ótima homenagem.
Hamsworth esbanja todo o seu carisma na tela. Mais do que isso: demonstra talento mesmo. Acho que o “Thor” já se livrou do estigma de bonitão sarado e caminha firme para ser reconhecido como bom ator. Brhul não decepciona e encarna Lauda de forma bastante convincente, além da semelhança física, é claro. Confesso que, de memória, não me lembro de Brhul antes de Bastardos Inglórios, mas ali já dava para perceber que o carrancudo multifacetado era um bom ator. Ambos incorporaram bem a essência de seus personagens e ganham a tela e nossa empatia.
Rush vai se tornando dramaticamente mais expositivo – e até forçado – a partir do momento em que começa a abordar o acidente quase fatal de Lauda, acho que no fundo todos esperavam por isso. Este é o momento crucial, tanto para o filme, quanto para a história que ele aborda. Lauda, mesmo após o fato que o deixou lado a lado com a morte que ele tanto evitava nas pistas, ainda seria tricampeão da F-1. Hunt, por outro lado, atingiu seu objetivo: provou para todos e para si mesmo que não só poderia – como de fato foi – campeão mundial, como era sim um oponente a altura de Lauda e que aquele não seria um período de hegemonia austríaca se ele continuasse a correr (Hunt se aposentou em 1978, apenas dois anos após conquistar seu histórico título).
Apesar das críticas recorrentes sofridas por Ron Howard ao longo de sua carreira, eu sempre gostei demais do seu trabalho. Acho que ele equilibra bem as forças de seus filmes e os adéqua à necessidade. Rush – No Limite da Emoção flui absurdamente bem desde o início até o final, quando bate no peito aquela nostalgia do tempo em que os gênios podiam se dar ao luxo de serem geniosos e serem idolatrados por isso. Afinal, quem nunca quis ser James Hunt naquela emblemática foto?
Quando vi que Roward iria dirigir o filme, fiquei meio com o pé atrás, mas a película é formidável! O diretor mostra extremamente bem a rivalidade dos dois e a época é muito bem retratada. Brühl á tempos já provou que é grande ator e Hamsworth consegue se desvencilhar de Thor. Mesmo toda coberta, Olivia Wilde é uma delicia. Aquilo ali na tela é Fórmula 1! E pra fechar com chave de ouro, o depoimento de Lauda no final conseguiu me arrancar lágrimas, que texto bom de ler Cristian, parabéns!
Puxa, obrigado, meu amigo. Não gosto de F1, mas é inegável que antigamente dava gosto de ver as corridas sem tantos botões e computadores...