“As pessoas sempre pensam em nós como rivais, mas ele era um dos poucos que eu gostava e um dos menos ainda que eu respeitava. Ele continua sendo a única pessoa que eu invejei.”
O diretor americano Ron Howard é um manipulador descarado, daqueles que não hesita em distorcer, ocultar e inventar fatos para que seus filmes alcancem o efeito esperado no espectador. Uma Mente Brilhante e A Luta Pela Esperança são ótimos, vão fazer você chorar, inclusive, mas basta uma pesquisada sobre a história de John Nash e Jim Braddock, protagonistas dos filmes, para descobrir que as produções de Howard tem muito menos das histórias reais do que se poderia imaginar. Assim como esse Rush – No Limite da Emoção, talvez seu melhor filme, que na busca por uma experiência cinematográfica mais intensa, acentua ao extremo a rivalidade de seus protagonistas, os pilotos de fórmula 1 James Hunt (Chris Hemsworth) e Niki Lauda (Daniel Brühl). E se isso é condenável por um lado, por outro precisamos admitir que o roteiro de Peter Morgan e a direção de Howard fazem tudo valer a pena, criando um conto onde titãs com muito mais um do outro do que poderiam inicialmente imaginar se enfrentam dentro e fora das pistas em uma montanha-russa de emoção que deveria ser o reflexo das provas de fórmula 1 do lado de cá da tela, mas arrisco dizer que é, na verdade, muito melhor do que 90% delas.
O Hunt e o Lauda vistos em Rush são homens que mais do que gostar de correr PRECISAM fazê-lo. Eles poderiam fazer outra coisa e reconhecem isso, mas não podem negar sua natureza de pilotos, é o que fazem de melhor. Arrogantes como se o fato de serem geniais ao volante os tornasse automaticamente melhores que os que orbitam ao seu redor, ambos se afastam na maneira como lidam com a pista de corrida: ambos sabem que possuem 20% de chance de morrer toda vez que entram em seus carros (lembrando que na época do filme, os anos 70, a fórmula 1 estava em um de seus períodos mais mortais), mas se Hunt, impulsivo e dono de um estilo de superstar (não por acaso seu apelido na primeira equipe), não teme se arriscar cada vez mais pela vitória, Lauda, muito mais calculista, tal qual se espera de um atleta austríaco, não descarta nem mesmo abandonar uma prova para não lidar com um aumento nessa porcentagem.
Porém, se em um primeiro momento parece que a história se encaminha para uma pintura de Hunt como um "romântico" disposto a morrer por seu esporte e Lauda um homem de pura técnica que pode até se arriscar, mas que evitará a morte sempre que possível - um antagonismo que por vezes nos remete ao excelente documentário Senna e à rivalidade do piloto brasileiro e o francês Alain Prost, logo podemos respirar aliviados ao constatar que Rush não tomará um lado, alternando o protagonismo entre seus personagens e lhes colocando como homens "heroicos" ou "vilanescos" em seus devidos momentos - e se uso aspas em ambas as palavras é por que o filme também os reconhece como seres humanos, com suas qualidades e defeitos que apenas os tornam mais reais. Assim se Lauda tem, obviamente, o arco de maior força dramática por conta de seu grava acidente e sua incrível recuperação que o permitiu voltar às pistas no mesmo ano, em uma corrida sensacional que lhe manteria na disputa de um título que só perdeu no último grande prêmio, Hunt ganha sua própria cena de superação quando lidando com um carro com a alavanca de marcha quebrada, correndo em condições adversas e precisando ultrapassar diversos carros para alcançar o pódio ainda assim se torna campeão. E no meio disso tudo Daniel Brühl (gigante em cena muito antes do acidente e ainda melhor após ele) e Chris Hemsworth (carisma puro, mas mais que isso, jamais nos lembrando de que é o Thor, algo totalmente novo em sua carreira) brilham a ponto de quando os verdadeiros Nikki Lauda e James Hunt surgem em cena em imagens de arquivo, ficar difícil distinguir o real e a ficção.
Interessante também, é notar como ao contrário de em filmes antecessores de Howard, onde o ápice dramático é também o ápice da superação pessoal dos personagens principais – o Nobel de John Nash; o título mundial de Jim Braddock -, o clímax de Rush é o encontro dos dois pilotos já campeões do mundo, onde se reconhecem como dignos de respeito um do outro justamente por motivarem-se mutuamente a serem ainda melhores nas pistas. Nada de um discurso impactante ou um gesto climático, o ponto alto da trama aqui é uma troca de meia dúzia de palavras e o reconhecimento do rival/companheiro como um semelhante “campeão”/”campeão”, uma sutileza até então impensável no cinema de Ron Howard, que, justiça seja feita, apresenta um trabalho de direção formidável aqui, com seus planos que nos jogam diretamente na pista de corrida, com câmeras na altura da pista e dentro do capacete dos pilotos, resultando no primor de imagem, som e ritmo que é a recriação do acidente de Lauda.
Há derrapadas nas curvas? Há, claro: em alguns momentos as tintas com que o roteiro pinta a rivalidade de Lauda e Hunt, bem mais amigos e menos rivais na realidade do que o filme mostra, é um pouco exagerada, mas isso é em prol da arte, o resultado compensa, já a maneira como trata o casamento/separação de Hunt com Suzy Miller (Olivia Wilde) é desleixado, sem desculpas mesmo - apesar de render uma tirada inspirada de Hunt. Mas mesmo um campeão nato como Rush derrapa algumas vezes, o que não ofusca seu brilho no pódio dos grandes filmes.
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