Pode-se dizer que o horror no cinema surgiu com Murnau, na década de 20, quando o cineasta alemão levou às telas o mito do vampiro Drácula, o qual chamou de Nosferatu por questões de direitos autorais. Diretamente ou não, ele estimulou a realização de outras obras que se baseavam em lendas obscuras, como Frankenstein, que rendeu alguns filmes, e o próprio Drácula, naquela mesma época. O terror encostava-se em lendas para provocar medo, porém o estilo de Murnau já traçava pontos de partida mais definidos e claros para o gênero, utilizando-se de suposições de imagens, trabalhando luzes e sombras de modo magnífico, escurecendo seus cenários para provocar tensão. Levando muito do filme do diretor alemão e um pouco do próprio expressionismo, movimento ao qual Murnau pertencia, Tourneur, com seu Cat People, redefiniu a maneira de construir uma atmosfera de horror e medo, onde, se podemos considerar que o vanguardista alemão é o ponto de partida do cinema do gênero, o franco-americano é o de chegada.
Tourneur, era diretor novato, que foi de cabeça na idéia de filmar um terror B de baixo orçamento com produção de um Val Lewton que buscava se reerguer e que também possuía conceitos para empregar na obra. Mas apesar de toda a participação do produtor, é impossível dizer que o filme não é todo tourneuriano, obras posteriores do diretor invocariam os mesmos métodos de erguer atmosfera, mantê-la e criar tensão através da sugestividade, utilizando-se de sons, imagens distorcidas, sobras refletidas de modo disforme e cenários que contrastam horripilantemente luz e escuridão.
Os temas sombrios que o diretor viria a se dedicar com frequência também são a base da historia, crenças populares revestidas em áurea diabólica e sombria garantem a incursão do espectador na trama, a natureza destes temas servem como um detalhe a mais que garante a apreensão de quem assiste durante cada segundo. Esta característica se tornou marca do diretor e comprova também que o filme é puramente, na essência, seu.
Aqui, tais temas se configuram em Irena, uma moça com uma inocência diabolicamente suspeita, ela sofre de uma auto-repressão sexual na qual se afunda na solidão de seu mundo particular, abstendo de qualquer relação amorosa que poderia ter por um simples temor, que nos releva as origens de suas emoções reprimidas e de seu estilo de vida amargurado, ela suspeita de ser pertencente a uma geração de mulheres felino - "cat people" - com atribuições sobrenaturais que por instinto se tornam agressivas com seus parceiros sexuais e naturalmente, sem certeza alguma, ela se comporta de maneira com que não se relacione com ninguém, porém, surge Oliver, um rapaz que lhe conquista, então se casa com ele e partir deste momento começam a ser expostos seus traumas que estavam adormecidos.
O espetáculo de Tourneur então está pronto para explodir, após criar toda uma situação com contornos subentendidos e ocultos, nasce daí seu estilo, o medo causado pelo filme se cria a partir de uma idéia sugerida apenas, o paralelo da personagem com a pantera, fazendo-nos entender que ela se transmutaria em uma, nunca se concretiza durante o desenrolar, simplesmente passamos a acreditar nisso devido a maneira como o diretor expõe os elementos narrativos e cênicos a fim de fazer justamente o que acontece, o espectador entra num estado de tensão derivado das suspeitas, ele nos instiga a acreditar no que não vemos, no desconhecido, na possibilidade deste desconhecido ser o que nos faz crer que seja, e dessa forma sempre estamos com este receio, de que a criatura surja de repente e se revele, criando uma estranha satisfação em nós de presenciar o ápice do medo.
A maneira como Tourneur manipula seus cenários limitados, tornando-os claustrofóbicos e assustadores é uma aula de domínio de ambiente. Claramente se inspirando no cinema expressionista de Murnau e outros diretores alemães, é clara que a sua construção visual baseia-se totalmente no movimento, privilegiando o contraste entre claro e escuro, fazendo-os berrantes, deixando as penumbras de lado. Um pouco mais de uma hora é o suficiente para o cineasta manipular situações, personagens, espectadores e registrar uma nova maneira de fazer cinema de horror, este e outros trabalhos posteriores que também se baseavam na aliança entre obscuridade e suposição, influenciaram tudo que se conhece como terror psicológico, deixando claro que até o que não se pode ver, deve ser mostrado do modo correto.
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