O período que se estende do final do século XIX e início do século XX assistiu ao mais competitivo e, consequentemente, mais sujo momento do capitalismo. A transição do chamado capitalismo industrial para o capitalismo financeiro ocorreu quando houve o boom da exploração petrolífera. O fato de esse minério ser encontrado apenas em lugares específicos gerou uma “corrida” que não se via desde os tempos das Grandes Navegações. As grandes empresas se agigantaram de tal forma que acabaram, em um processo chamado truste, engolindo as menores. Os reflexos dessa competição desenfreada pela riqueza puderam ser vistos nas relações sociais que as pessoas da época tinham. “Sangue Negro”, de Paul Thomas Anderson, apareceu com a proposta de mostrar as consequências desse sistema na sociedade por todos os âmbitos, desde a simples relação de um pai com o seu filho, até as perigosas negociações dos poderosos dos cartéis do petróleo.
O filme narra a ascensão de Daniel Plainview (interpretado por Daniel Day-Lewis), desde os tempos em que ele fazia, com seu próprio suor, a prospecção dos poços até o seu auge como dono de uma bem-sucedida companhia de petróleo. Anderson resolve dar a todos os aspectos da história o mesmo grau de atenção: a sua jornada nesse empreendimento, sua relação com os funcionários e vizinhos e, principalmente, seu relacionamento com o seu filho.
Logo nas primeiras sequências, nas quais Daniel ainda é um pobre prospector de petróleo, o diretor já dá umas dicas do andamento do filme através de analogias. Primeiro, quando o petróleo brota do chão, marcam o filho de Daniel (nesse momento ainda um bebê) com petróleo. Isso simboliza a sina que ele vai carregar por toda a vida. Toda a sua existência se dará em torno do petróleo. Porém, nessa mesma cena, ocorre outro “batismo”. Daniel, com o corpo coberto de petróleo, acaba, depois de um acidente com seus colegas, se sujando de sangue. Essa será a sua sina. O petróleo o acompanhará por toda a sua vida, mas levará consigo sangue, muito sangue.
O ponto mais interessante do filme á a relação em Daniel Plainview e seu filho, chamado apenas de H.W. Na primeira parte do filme, o menino é uma sombra do pai. Aonde um vai, o outro vai também. Até nos gestos, como é visto na cena da caçada, o filho imita o seu progenitor. Outra coisa interessante sobre esse menino é o seu jeito. Levando em conta que a única pessoa na qual ele mantinha, pelo menos até a chegada dos dois em Lilttle Boston, é o seu pai, H.W. se comporta como um adulto. Até palpites nas reuniões de negócios da companhia ele dava (seu pai, aliás, sempre fazia questão de leva-lo, para tentar criar um tipo de comoção em seus negociadores). O envolvimento nos negócios e tamanho que ele chega a cheirar petróleo para confirmar sua qualidade. Mas a reciprocidade da relação é questionada várias vezes no filme. No momento em que seu filho sofre um acidente grave, Daniel sorri, pois , segundo ele, a causa desse acidente é a grande quantidade de petróleo existente naquela região. Essa pouca importância dada por Daniel aos seus próximos também é notada quando um homem aparece, alegando ser seu irmão.
A relação de Daniel com as outras pessoas também é um dos focos desse filme. No momento em que ele recebe a notícia de um acidente em um dos seus poços, Daniel pergunta sobre o operário envolvido. Após saber que ele morreu, Daniel simplesmente pergunta como estava a broca que causou o acidente. Esse é exatamente o modo como Daniel via seus operários: como meras ferramentas. Os habitantes de Little Boston também tiveram uma relação conturbada com o petroleiro, em especial Paul Sunday (interpretado por Paul Dano), o sacerdote fundamentalista cristão local. Ele envolve os seus negócios com Daniel com o seu lado espiritual, Por exemplo, quando uma dos poços pega fogo, o modo como Paul o vê, com fogo saindo do buraco, serve como analogia: Daniel trouxe o inferno para Little Boston.
A edição do filme é perfeita. Anderson conseguiu de maneira perfeita mostrar todas essas relações deixando claro que na verdade tudo isso é a visão que Daniel tem do mundo e da sociedade. A trilha sonora, composta por John Greenwood, é, além de belíssima, bem editada, Em alguns momentos a música é estranha e perturbadora, em outros é animada e alegre e, no restante (e maior parte do filme), simplesmente não tem trilha sonora. Mais isso não conta como um ponto negativo para a produção, pelo contrário, o deixa com um clima mais legal, mais diferente dos demais filmes. A fotografia também se destaca, tanto que levou o Oscxar daquele ano. O elenco coadjuvante todo foi muito bom, em especial Paul Dano, que conseguiu passar bel o fanatismo de seu personagem. Mais o destaque mesmo do filme fica com Daniel Day-Lewis. O desenvolvimento que o ator deu ao personagem foi extraordinário, em especial o seu último embate com Paul. Não a toa que Day-Lewis já é considerado melhor ator da atualidade.
A mensagem do filme é fascinante. Tudo, no campo dos negócios, se baseia na compra e venda. E, em Little Boston, isso não se resume ao petróleo. “Tudo pode ser comprado por aqui?”, pergunta Daniel Plainview, tendo uma resposta positiva. El, no final, consegue comprar tudo. De um simples escavador, ele conseguiu se tornar um dos maiores petroleiros do seu país. Mais, juntamente com o seu sucesso material, veio na sua perdição. Todos aqueles que o rodeavam se afastaram dele. E o pior é que foi o próprio Daniel que os baniu da sua vida. O sucesso nos negócios veio acompanhado de um retumbante fracasso na sua vida.
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