Tem filmes que nascem épicos. No sentido não apenas do tema, mas do tipo de produção, pela qualidade e pela “idéia” de onde querem chegar. 'There Will Be Blood' é um destes exemplos. O filme de Anderson seria ou é um Citizen Kane moderno. Realmente, a saga do magnata da imprensa retratado com perfeição pelo diretor Orson Welles parece se repetir aqui na pele do magnata do petróleo. Mas as comparações terminam por aí, porque o filme de Paul Thomas Anderson não consegue chegar nem perto da ousadia técnica e de estilo que Orson Welles conseguiu em seu filme de 1941. Ainda assim, There Will Be Blood é um grande filme, especialmente pela marcante e inesquecível interpretação de Daniel Day-Lewis como o ambicioso, trabalhador e enlouquecido Daniel Plainview. Mas ainda que o ator seja o grande nome do filme, existem outros elementos que fazem dele um épico: a direção de fotografia, a trilha sonora, o roteiro cuidadosamente denso e bem trabalhado e, claro um grupo de atores que segura o espectador do início ao final, com destaque para Paul Dano e Dillon Freasier...
Na trama, acompanhamos a vida de Daniel Plainview por 3 décadas. Em 1898, ele esta a procura de ouro em um poço em sua propriedade no Texas. Ele encontra o metal amarelo junto com petróleo. Anos depois ele mudou seu objetivo unicamente para o ouro negro, tendo contratado homens para ajudá-lo. Um acidente resulta na morte de um de seus empregados. Daniel acaba herdando um órfão que ele assume como filho e lhe dá o nome de H.W. Em 1912, Daniel já é um homem reconhecido pelo seu pequeno império de poços de petróleo. Ele é procurado por jovem chamado Paul Sunday (Paul Dano) que lhe negocia por dinheiro uma informação sobre um território rico em Petróleo na Califórnia. Acompanhado de seu filho (Dillon Freasier) e seu sócio Fletcher (Ciarán Hinds), ele viaja até o local. Ao chegar lá, descobre uma região riquíssima de petróleo. Ele compra todas as terras com exceção de uma. Além de pagar os proprietários, Daniel precisa negociar com o crente Eli Sunday (Paul Dano), irmão de Paul...
Apostando corajosamente numa introdução absolutamente silenciosa (a primeira fala surge com quase 15 minutos de projeção), Anderson retrata a personalidade anti-social de seu protagonista, que beira (e eventualmente alcança) a psicopatia, através da própria cor da substância que ele tanto cobiça e não é surpresa que Plainview surja constantemente coberto de petróleo, numa exposição acidental, mas apropriada, de sua alma sombria. Visto constantemente em contraluz ou mergulhado em sombras (a fotografia de Robert Elswit é soberba), Daniel Plainview é uma criatura que vive no escuro, literal e metaforicamente – e o fato de optar por uma área de atuação tão competitiva apenas reforça os aspectos mais desprezíveis de seu caráter. Não é à toa que, logo no início, quando vemos um dos primeiros instrumentos de perfuração criados por ele, uma corda similar a uma forca aparece rapidamente diante da invenção, já que este campo de trabalho acabará por condená-lo a uma morte simbólica, afastando-o de vez do restante da civilização...
Anderson cria mais um elemento psicológico repleto de camadas de significação, que visa provocar outros debates e reflexões sobre as motivações dos personagens. A princípio, Paul e Eli Sunday são irmãos gêmeos, mas talvez não sejam, pois isso nunca é mencionado durante a projeção. Um outro fator é que nunca aparecem juntos. Isso pode significar uma dupla personalidade doentia em que Paul/Eli são a mesma pessoa. Um pequeno recurso dramático quase imperceptível, mas extremamente genial...
Anderson dirige com maestria. Não tem pressa. Conhece bem o tempo fílmico e não sucumbe às tentações comerciais dos cortes rápidos e das simples e preguiçosas explicações verbais. Ele usa suas ferramentas cinematográficas com raro talento. Mas talvez o maior acerto entre os vários que o filme apresenta seja a ousadia da marcante trilha sonora do inglês Jonny Greenwood, do grupo 'Radiohead'. Greenwood prefere os acordes fortes e não necessariamente "adequados" (no sentido confortável da palavra) ao que se vê na tela. Em tons muitas vezes dissonantes e com uma intensidade dramática como há muito não se ouvia no cinema, a trilha de Sangue Negro é quase um personagem a parte dentro do filme.
Pode ser pretensão minha ter comparado 'There Will Be Blood' a "Citizen Kane", mas o fato é que definitivamente "Sangue Negro" já nasceu grande...
Belo texto, Lucas.
Sangue Negro é um filme majestoso e a atuação do Day-Lewis é das maiores coises que já vi em um filme.
Com exceção de Nine, não me lembro de um filme ruim, propriamente dito, de Day-Lewis. Belíssimo texto. Parabéns!
Day-Lewis é mostro mesmo...
O cara escolhe muito bem seus papéis e quando os interpreta praticamente os encarna também...