Produzir um filme de gêneros tão antagônicos pode ser uma proposta muito estranha. Porém drama e comédia se contrapõem de maneira deliciosa em Se Meu Apartamento Falasse (The Apartment, 1960). Escalada social, a divisão de preocupação entre carreira e vida pessoal, amor próprio, suicídio, todos esses temas trazem um tom mais voltado à circunspecção, carregando de força dramática essa comédia (?) de Billy Wilder.
Baxter (Jack Lemmon) é um jovem que sonha em ser empresário. Ele trabalha arduamente em uma companhia de seguros de Nova York e, além de todo seu esforço no emprego, conta com uma ajuda extra para tentar a tão sonhada promoção. A ajuda vem de seu apartamento, peça chave em sua estratégia para melhorar de vida. Como Baxter explica, um apartamento comum, porém que é de grande importância para ele e seus colegas de departamento e superiores. Baxter empresta seu lar para que seus camaradas levem amantes para lá.
Se no primeiro quarto do filme temos uma divertida comédia, mostrando os percalços pelos quais Baxter passa com seu apartamento e seus importunos colegas, depois disso a obra descamba para um drama que pesa mais a cada minuto. Baxter deve escolher entre o amor e a profissão. Ele deve se colocar a frente de seu chefe em relação a si mesmo, o que deveria ser uma escolha óbvia, mas que para ele, e a maioria das pessoas hoje em dia, se mostra cada vez mais difícil.
Dividindo o protagonismo do filme com o próprio apartamento, Jack Lemmon se destaca por seu timing cômico. O ator repetia aqui a parceria com Wilder que havia se consolidado na comédia Quanto Mais Quente Melhor (Some Like It Hot, 1959) e que continuaria depois em vários outros trabalhos. As caras e bocas que o ator dá a seu personagem trazem vida ao homem solitário. Um piadista perspicaz e ao mesmo tempo um sujeito solitário.
Com uma linda fotografia em preto e branco e grande habilidade para trabalhar com o cenário, Wilder filma muito bem os espaços do filme. O prédio onde Baxter trabalha é grandioso, contando com dezenas de funcionários. Para filmar tudo isso, o diretor aposta em planos gerais do ambiente, demonstrando a imensidão das repartições dos escritórios. Do mesmo modo, Wilder trata com carinho seu protagonista, o apartamento. De um cômodo a outro, o diretor faz com que seus personagens transitem dentro dele, aproveitando seu espaço e o que ele tem a oferecer.
A conclusão é que Se Meu Apartamento Falasse é muito mais que uma comédia e tem muito a oferecer ao espectador. Em tempos onde a infelicidade no trabalho parece crônica e a busca pelo mais alto posto uma obsessão, talvez seja bom vermos um filme com mais de 50 anos. É a história que está aí para nos ensinar e mostrar que devemos aprender com nossos erros.
*Texto escrito originalmente para o blog Cine Alphaville.
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