Segredos de sangue tem uma proposta que é, no mínimo, instigante: India Stoker perdeu o pai recentemente, e enquanto está em estado de luto ao lado da mãe Evelyn, recebe a inesperada visita de seu tio Charlie, que nunca tinha conhecido a sobrinha anteriormente. Assim, depois de se hospedar na casa das mulheres Stoker para ajudá-las com a perda, o misterioso homem acaba indo muito além disso. Sendo a estreia no cinema hollywoodiano do diretor coreano Chan-wook Park (que foi responsável pela cultuada trilogia constituída por Mr. Vingança, Oldboy e Lady Vingança), Stoker tenta manter as características do cinema de seu diretor e constrói uma atmosfera pesada de tensão que cresce conforme o público se envolve com os mistérios e incertezas que rondam a vida dos protagonistas, fazendo com que o ritmo do longa flua de maneira mais do que eficiente.
O filme ainda se beneficia da ótima direção de arte que constrói cenários obscuros e que parecem guardar algum segredo importante na narrativa (como o bom, mesmo que estranho, uso da cor amarela para simbolizar a relação entre India e seu tio), resultando em sequências belíssimas, ricas e que parecem ter saído de um pesadelo (a sequência em que a protagonista desce ao freezer é um ótimo exemplo do apuro plástico e visual do filme). Outro ponto que merece destaque são os excelentes figurinos que enfocam na estranheza de India e sua mãe, já que estas insistem um usar roupas que parecem ter saído de outra época, se contrapondo ao estilo moderno de Charlie. Ainda assim, o mais surpreendente de Segredos de Sangue é a facilidade que o diretor mostra ao estabelecer um estilo próprio de filmagem, e mesmo que um momento outro lembre a escuridão de Tim Burton ou a frieza de David Fincher, sua parte estética é ambiciosa e incrivelmente criativa, conseguindo equilibrar todos os elementos presentes na narrativa sem parecer forçado ou exagerado.
Enquanto isso, Mia Wasikowska encara a (suposta) protagonista com sua inexpressão de sempre, mas que aqui não acaba sendo tão prejudicial por conta da própria personalidade da personagem, que insiste em se manter emocionalmente distante e solitária, não que casualmente tanto a atriz quanto India não mostrem algum estado instável, psicologicamente falando: Há um par de cenas que Wasikowska realmente impressiona, mas também há alguma que ao exigirem um pouco mais da atriz sua atuação soa exagerada e um tanto artificial. Enquanto isso, Nicole Kidman surge em tela equilibrando perfeitamente bem a sutiliza e a pressão psicológica, é uma pena, que Evelyn pareça mais uma ponte entre os dois personagens realmente importantes na trama, do que uma figura com relevância. E se no início, Charlie aparece como um indivíduo que não passa qualquer tipo de segurança quanto seu caráter, isso se fortifica conforme nos aprofundando nas misteriosas camadas do personagem, e aí temos certeza de estarmos diante de alguém que se deve temer (mesmo sabermos exatamente o porquê), algo que fica ainda mais evidente com a excelente atuação de Matthew Goode que consegue estabelecer seu personagem como um enigma a ser desvendado pelo espectador, além de uma figura que desperta um interesse natural na plateia.
O roteiro de Segredos de Sangue começa bem, apresentando bem seus personagens e a história em sai, assim durante os dois primeiros atos temos a impressão de estarmos assistindo um longa que, à cima de tudo, tem uma boa história e se preocupa em conta-la da melhor forma possível. Infelizmente, o terceiro ato da produção se mostra uma intensa decepção, já que além de não manter o mesmo nível, desperdiça todas as boas ideias apresentadas anteriormente. Além de falhar ao esclarecer demais sobre a natureza de Charlie, o roteiro simplesmente parece não saber como contar sua história, atirando reviravoltas e revelações de maneira descuidada sem desenvolvê-las corretamente, deixando a narrativa com um tom mais atropelado do que deveria, além de abandonar detalhes que antes pareciam importantes. Isso tudo faz com que Segredos de Sangue – que parecia um filme cuidadoso e inteligente – se tornar ilógico , surreal e com uma série de furos dentro de sua trama (e é frustrante ver que as revelações resolvam parcialmente esses buracos, ao mesmo tempo que cria vários outros).
No final, Segredos de Sangue ainda parece carecer de um foco mais objetivo e centralizado: Se durante os dois primeiros atos acompanhamos a história de India focando em seu amadurecimento influenciado pela morte do pai e pela vinda inesperada do tio - que traz consigo uma certa dose de violência e com isso um certo crescimento sexual também - , o terceiro ato desvia de assunto e dá mais atenção ao passado de Charlie e suas ‘viagens pelo mundo’, e ainda que seja interessantíssimo ver essas duas tramas se entrelaçarem (a belíssima metáfora envolvendo os sapatos da protagonistas originam um dos melhores momentos da projeção) elas ainda parecem vindas de filmes diferentes (e com protagonistas diferentes), lutando por espaço e que em um momento ou outro parecem trabalharem juntas. E mesmo sofrendo de dupla personalidade e conter um terceiro ato nitidamente mal desenvolvido, Segredos de Sangue continua sendo um filme interessantíssimo e que apresenta ideias excelentes e são exploradas satisfatoriamente pelo script, e que merece ser visto, principalmente, por sua capacidade e inventividade artística. E mesmo estando longe de ser um dos piores filmes do ano (Finalmente 18, Dezesseis Luas e João e Maria – Caçadores de Bruxas são infinitamente piores), Segredos de Sangue é um dos mais frustrantes.
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