Fórmula dos tradicionais contos de fadas: Um casal lindo e apaixonado + muitos obstáculos em seu caminho para a felicidade + um vilão maléfico e interesseiro + cavaleiros, dragões, fadas, duendes e outras criaturas + personagens secundários ingenuamente engraçados + músicas animadas + um grande final feliz. Esta é a fórmula terrivelmente desgastada até hoje pelos inúmeros contos de fadas e histórias infantis, seja no cinema, nos livros, no teatro ou em qualquer outro meio. A simples premissa de ver uma história previsível e encantadora leva milhões de pessoas ao cinema a procura de uma boa diversão infantilóide, por mais que seja manjada. Imagine então a repercussão de uma obra que virou o mundo dos contos de fada de cabeça para baixo, misturando todas essas formulas batidas criando originalidade e satirizando tudo e todos que tem direito.
Essa repercussão enorme foi provocada por um filme da DreamWorks, que com ela se estabeleceu de uma vez como um dos melhores estúdios de animação mundiais e foi colocada no mesmo patamar da bilionária Disney. Esse filme foi “Shrek”, que estreou nos cinemas em 2001, mas continua fresco como nunca na cabeça de muitos cinéfilos por ser uma verdadeira revolução nas animações, que podem ser divididas em duas partes sendo elas “pré” e “pós-Shrek”, revolução comparável até a outra acontecida no início dos anos noventa com “Toy Story”, que trouxe o sonho das animações computadorizadas para a realidade. É só analisar os filmes de animação infantil para notar essa diferença que a obra trouxe: Ritmo movimentado, quantidade excessiva de sátiras e piadas (aquela mágica e ingenuidade das animações antigas estão em escassez), personagens quanto mais diferentes melhor e muita diversão descompromissada.
Quase tudo em “Shrek” se mostra original e satírico, principalmente pelo excelente roteiro que conseguiu transformar uma criatura tão feia e porca como um ogro em um ser divertido e muito carismático. Pra começar, somos apresentados ao tradicional conto de fadas de um livro que o protagonista usa uma página pra se limpar após ir ao banheiro, como se aquilo fosse um lixo descartável, e logo somos introduzidos ao seu solitário e anti-higiênico dia-a-dia, onde toma banho soltando gases na lama e é constantemente perseguido por habitantes da vizinhança de seu barraco. Quando o anão estúpido Lorde Farquaad obriga a todos os habitantes fantásticos da floresta a se retirarem, Shrek acaba não concordando com sua atitude e faz um acordo com o lorde: Se ele conseguisse resgatar a princesa Fiona que está presa num castelo longínquo onde habita um perigoso dragão (já que o lorde é um vilão covarde que não consegue fazer nada por mérito próprio), Farquaad deixaria seu pântano intacto e seu sossego tornaria a voltar.
Usando de regras já estabelecidas e em outras reformulando tudo, o tom de auto-paródia reina em toda a duração do filme e proporciona uma diversão incalculável ao espectador. Em sua jornada para resgatar a princesa, Shrek acaba conhecendo um burro falante, uma paródia dos personagens secundários bobos e que só falam coisas inúteis para o desenvolvimento da trama, mas é inegável que ele é o personagem mais engraçado daquela salada toda, protagonizando algumas das melhores sacadas do filme. Após os dois amigos chegarem ao castelo, tudo ocorre da maneira mais bizarra e imprevisível, primeiro pelo dragão fêmea se apaixonar pelo burro, segundo pela princesa Fiona fingir que está num sono profundo e acabar sendo “acordada” brutalmente pelo protagonista. Depois de muitas aventuras, todos os mitos e regras vão sendo derrubadas, com uma princesa faixa preta em luta e biscoitos irritantes falantes, gerando personagens extremamente divertidos e simpáticos, numa história que ultrapassou limites e estoques de risada alheios.
A qualidade da animação não para no roteiro, muito pelo contrário, se destaca também pela ótica técnica que possa ser abordada. Feita totalmente em animação digital, a obra já se mostra evoluída e digna de todo o investimento que o estúdio a entregou, desde os traços e feições dos personagens e composição de seus movimentos, que já era um grande avanço na época, ou seja, efeitos especiais de primeira linha e um roteiro maravilhoso não podiam acabar mal. Já a trilha sonora é composta por diversas músicas pop/rock, combinando com o clima moderno da obra e complementando toda aquela curtição que a obra se constrói, mas também possui uma faixa de música clássica ótima que acabou se imortalizando e sendo relembrada juntamente ao filme.
A auto-paródia foi o elemento principal para o sucesso monstruoso da animação, que recicla de forma muito bem humorada aquilo já construído e reformula tudo da forma mais original. Simplesmente é impossível não dar gargalhadas imensas com as sacadas inteligentes do roteiro, que faz de um ogro o príncipe da história, do vilão temido um anão queixudo e covarde, da princesa uma ogra “ninja” e de todos os personagens imortalizados um quadro de deboche inestimável, o que fica evidente no final quando todos dançam juntos e animados, incluindo Branca de Neve, Cinderela, três porquinhos, fadas e todas as criaturas mágicas que acabam se misturando numa mistura de homenagens e referências que tornam a película num orgástico mundo de descontração.
Um grande filme pipoca de primeira qualidade, que gerou três outras seqüências quase tão boas quanto a primeira, que continua e continuará lembrada por todos pelas suas sátiras hilariantes, seu ritmo moderno e pela revolução que trouxe ao mercado de animações que pouquíssimos filmes foram capazes de fazer. Shrek, Fiona, burro e posteriormente o gato de botas são personagens imortalizados que muitas pessoas nunca mais esquecerão e inevitavelmente rir com suas aventuras e trapalhadas, numa obra adorada pelas famílias, prestigiada pelo público e que trouxe um dos maiores auges fílmicos que uma animação pode alcançar.
“Shrek: Se eu te tratei mal, porque ainda está aqui? – Burro: É isso que fazem os amigos!”
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