Minha Maratona Woody Allen:
SIMPLESMENTE ALICE (1990)
Sempre, SEMPRE, um filme de Woody Allen trará como centro narrativo a família e suas possíveis (des) estruturações. Drama ou comédia, Allen procura dissecar essa imagem em maior ou menor grau, obtendo geralmente excelentes resultados (“Interiores”, “Setembro”, “Desconstruindo Harry”, só citando alguns). Em “Simplesmente Alice” a família é criticada com pequenas pitadas de autoajuda (isso mesmo. Autoajuda. Num filme de Woody Allen), e, além disso, há aqui um pequeno gracejo raramente usado pelo cineasta: o universo fantasioso.
Alice (Mia Farrow) é casada com Doug (William Hurt) há dezesseis anos e abriu mão de seu próprio talento, de seus sonhos e de suas paixões para se dedicar exclusivamente ao marido e aos filhos. Certo dia, enquanto buscava as crianças na escola, Alice se depara com um saxofonista chamado Joe (Joe Mantegna). Claramente interessada no músico, Alice precisa de ajuda para lidar com essa nova onda de sentimentos, então decide se consultar com o dr. Yang, um guru que usa ervas medicinais para tratar de seus pacientes, sendo muito famoso no meio extraoficial. Nada melhor que um doutor chamado “Yang” para curar os dilemas de uma mulher dominada exclusivamente por seu “yin”.
Na mesma pegada de “A Rosa Púrpura do Cairo” e “Zelig”, Woody Allen consegue criar uma narrativa interessante justamente por causa de seus elementos fantásticos (no caso, os efeitos das ervas do dr. Yang). Numa clara referência a alguns dos desejos mais primitivos do ser humano civilizado, como o de saber o que os outros pensam, ou o de ser invisível, ou de libertar-se de sua própria timidez, o roteiro entrega pequenos momentos de puro deslumbramento por parte dos personagens ao tomarem consciência de que são capazes de feitos extraordinários (a reação de Joe ao se tornar invisível), mas também apresenta pequenas pitadas de lição de moral (todas vindas do dr. Yang de maneira natural) mas que não buscam resolver questionamentos e, principalmente, não soam piegas. Em determinado momento o cineasta entrega uma incrível visão otimista do mundo ao ilustrar, através de imagens de um documentário, Madre Teresa cuidando de portadores de doenças e anomalias terríveis, emocionando sua protagonista.
Apesar de grandes qualidades, o filme não figura entre os grandes clássicos do diretor por justamente se fechar demais em seu eixo temático e narrativo, algo salientado pelo plano final no qual (spoiler!!!) vemos Alice completamente resolvida consigo mesma. Por mais que esse final seja satisfatório, uma ideia completamente fechada não consegue dar margem a interpretações diversas – algo inerente a uma obra de arte plena. Não digo com isso que o filme é ruim. Ao contrário, o filme é muito bom e tem momentos realmente muito divertidos, mas não chega ao nível de grandes exemplares da carreira do diretor.
Com as qualidades técnicas habituais, afinal estamos falando de Carlo Di Palma na direção de fotografia, e elenco muito eficiente, o filme segue muito bem, mas é preciso destacar a maravilhosa lógica narrativa de seu figurino. Para não me estender demais, vou apenas me ater às cores da roupa de Alice que, com um vermelho intenso, aos poucos vai se empalidecendo frente ao novo ponto de vista que a protagonista assume em relação à sua própria vida.
Um filme muito leve, mas com aquela habitual amargura frente à visão de família que o cineasta possui, “Simplesmente Alice” surpreende por seu fluxo claramente otimista, mas não menos agridoce em seu desenvolvimento.
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